Literatura da Peri, Periferia – Revista Caros Amigos

Edições especiais são marcos históricos da produção marginal contemporânea.

Terceira edição da Revista Caros Amigos

Existia um ditado popular que dizia “de dois mil não passará”. Referia-se ao ano 2000, quando acabaria o mundo. Mas o milênio virou e, no ano seguinte, foi lançada a primeira de três edições especiais de literatura marginal da extinta revista Caros Amigos. Passados exatos vinte anos, é possível olhar para trás e perceber o crescimento e, mais importante, a consolidação da produção literária das quebradas do Brasil. Depois da primeira edição, histórica, viriam mais duas, em 2002 e 2004.

O contexto daqueles anos era bem outro, de semeadura e colheita dos primeiros frutos, mas pouca gente imaginava o tamanho das safras posteriores, sempre mais vistosas, variadas, cujo valor estético e também mercadológico (qual o problema?) cresceu mais do que o pé de feijão do conto clássico, né João? Aliás, Jão, por respeito ao vocabulário  clássico das quebradas, pelamor.

Pouco antes da primeira edição, Racionais havia lançado o estrondoso disco Sobrevivendo no inferno, e o escritor Ferréz, organizador das três edições especiais de literatura marginal da revista Caros Amigos, era reconhecido pelo romance Capão Pecado. Essas e outras obras foram abrindo picadas para centenas de autores (mais) e autoras (menos) que, hoje, têm o maior orgulho, justificado, de se apresentarem como periféricos, ou marginais, se bem que não há consenso sobre esses rótulos, alguns até renegam.

De qualquer forma, segundo Alessandro Buzo, que participou da primeira e da terceira edição dos especiais de Caros Amigos, “quando a primeira revista saiu, eram dez autores, e eu lembro que a mídia se perguntava como poderia haver dez escritores da periferia. Eles acharam incrível, mas foi só o estopim do que existe hoje, mais de uma centena de autores publicados, homens e mulheres da periferia. A revista foi um marco, mostrou que não era um, dois, três casos isolados que escreviam. Essa foi a grande importância, e também o fato dela ter sido muito estudada em universidades, até hoje.”

Primeira edição da Revista Caros Amigos

O caldo engrossou e não há como negar que atualmente existe um movimento literário não só nas periferias paulistanas, onde as dezenas de saraus e slams confirmam a força daquilo que foi plantado duas décadas atrás. As próprias edições especiais indicam esse crescimento, em quantidade e variedade.

Entre os dez autores da primeira edição, todos homens, oito são paulistanos e da Região Metropolitana, além de dois cariocas. Na segunda edição, com 23 autores, aparecem cinco mulheres e os locais de origem dos textos literários incluem, além de São Paulo (capital, redondezas e interior), Fortaleza, Maranhão, Miranda (MS), Recife, Salvador e Pelotas (RS). Na terceira edição, com quatro mulheres, são publicadas poesias, crônicas e contos de Brasília, Salvador e Rondônia, além de São Paulo.

Não é fácil dormir tranquilo em nenhuma periferia do Brasil, mas essas autoras e autores, ao colocarem a cabeça no travesseiro, podem sorrir baixinho com a certeza de terem contribuído com a construção da primeira grande onda literária periférica da história do Brasil, impulsionada pelas quebradas paulistanas, com predomínio da poesia, atualmente.

Segunda edição da Revista Caros Amigos

O mencionado Alessandro Buzo diz que “existe uma evolução, mas existe muito a evoluir”. Sempre cauteloso com qualquer exagero otimista, o escritor passa a seguinte informação exclusiva, preliminar e positiva, que talvez indique mais um passo evolutivo: “A gente vai lançar, em breve, o livro Pelas Periferias do Brasil, volume 9, e pela primeira vez será pelo menos um autor de cada um dos vinte e sete estados do Brasil. Até aqui, de quatorze, oito são mulheres e seis são homens.”

Conforme dizia o próprio Buzo na abertura do quadro sobre cultura da periferia no telejornal da Globo paulistana, apavorando os mocinhos da edição, preocupados com o vocabulário do escritor: “É nóis que tá”.

E tá faz tempo, continuando.

Ouça no Spotify da Agência de Notícias das Favelas (ANF) o conto Toda brisa tem o seu dia de ventania, de Alessandro Buzo, publicado em Caros Amigos Literatura Marginal – A Cultura da Periferia, Ato I, do ano 2000.

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