A pandemia tem sido o período mais demandante da gestão. As lideranças comunitárias têm vivenciado as maiores mazelas dos territórios onde vivem e trabalham com o agravamento da doença e das poucas condições que existem na favela, desabafa a maioria das pessoas entrevistadas pela nossa reportagem.
Para Antônia Cleide, líder comunitária da favela Heliópolis, em São Paulo, por exemplo, é preciso denunciar as situações inaceitáveis como o desemprego; a falta de acesso à internet para assistir às aulas; a violência doméstica; entre outras, mas a principal delas continua sendo a fome.
Angela Viana, líder comunitária do Parque Maré, no Rio de Janeiro, acredita que se não houvesse a ação dos representantes como distribuição de alimentos e itens de proteção ou medidas para evitar aglomeração, apesar da densidade populacional, a situação dos moradores seria muito pior.
Existe, por parte de todos, grande preocupação com o apoio futuro aos necessitados. “Muito mais de 4 mil famílias foram assistidas o ano passado e este ano, até agora, eu só consegui atender 200. A questão econômica está bem crítica e as pessoas não estão doando tanto quanto no ano passado”, desabafa Lucia de Fatima Oliveira Cabral, líder do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro.
E não é por acaso a angústia dessas lideranças. De acordo com Máximo Torero (54), economista-chefe da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura – FAO, os indicadores de desnutrição pioraram com a pandemia. Ele teme que a situação piore com o acesso desigual às vacinas.
Em entrevista ao El País, Torero afirmou que a pandemia aumentará as desigualdades, especialmente na África e América do Sul, “onde as economias são mais informais e falta uma rede de segurança social”. Segundo o economista, agora o mundo tem 690 milhões de pessoas com problemas de desnutrição crônica e a covid-19 vai aumentar este número para 132 milhões de pessoas. “Todos os indicadores estão piorando”, destaca.
“Nesse momento que falta política pública voltada para a favela, para combater a covid-19 e a crise econômica, o líder comunitário é a pessoa mais próxima da população, ele é o protagonista e agente de transformação local”, acrescenta Gilson Rodrigues, líder de Paraisópolis, em São Paulo e presidente do G10, bloco de líderes empreendedores sociais das 10 maiores favelas do Brasil.
Líder por vocação
Lucia de Fatima, assim como os demais entrevistados, começaram cedo suas trajetórias, motivados pelo desejo de mudança e, mais tarde, se vinculando ou fundando associações de bairro como modo de organização e formalização do cargo.
“A liderança nada mais é que uma articulação de demandas do território onde aquela(e) líder reside e seu papel é dar visibilidade a essas necessidades, potencializando as oportunidades e trazendo melhorias para o local”, explica Antônia Cleide.
“Os próprios moradores que vão realizar essas transformações e cabe ao Líder inspirar, organizar e fazer as ações acontecerem”, esclarece Gilson Rodrigues.
Para Claudia Cristina de Moraes, líder da Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, essa função também é um dom porque exige empatia, amor, respeito, carinho e dedicação. “A cada família que você consegue ajudar, dar a mão ou indicar o caminho você se sente feliz com Deus e com você”, conclui.
Dificuldades enfrentadas
As dificuldade em sanar as necessidades dos moradores; o olhar de desconfiança por parte da população; a de falta reconhecimento, apoio e políticas públicas do Estado para com as associações e lideranças são alguns dos desafios relatados. “Por vezes nós temos sido marginalizados, rotulados e partidarizados, diante de reinvindicações, quando na verdade só buscamos defender a população”, desabafa Gilson Rodrigues.
Por isso, ele acredita que uma solução poderia ser formalizar essa profissão. Para Gilson, deveria haver algum tipo de incentivo financeiro, porque muitas vezes os líderes são tão carentes quanto as famílias que eles atendem.
Angela Viana concorda com Gilson e ressalta: “Conquistamos tudo por doação, mas tenho uma equipe de voluntários que precisam vestir, calçar e comer. Acho importante termos uma atenção justa do estado porque a associação não é vista fora de ano de campanha”.
Claudia Cristina reclama que as lideranças têm acesso direto aos políticos quando é época eleitoral. “Depois, eles esquecem quem está com fome e doente, necessitando de um atendimento de saúde e de moradia. Ficamos 60 dias sem água na pandemia e batemos nas portas dos políticos pedindo e falando, implorando”, revela.
Matéria publicada originalmente no Jornal A Voz da Favela, edição de Maio.
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