É sabido, ou deveria ser, que o Brasil é um país visivelmente LGBTQIA+fóbico, e nesse mês de junho, comemoramos o mês do orgulho LGBTQIA+, no objetivo de fazer movimentos que mostre a nossa existência para trazer um pouco de consciência para a sociedade.
Outro fato que não podemos esquecer é que o Brasil é também um país extremamente racista, onde o corpo negro é levado a todos os tipos de genocídios. E quando uma pessoa é LGBTQIA+ Negra?. Para celebrar orgulho LGBTQIA+ perguntamos para pessoas LGBTQIA+ Negras como elas driblaram durante a suas vidas os preconceitos de ser uma pessoa Negra e LGBTQIA+. São falas que tratam de vidas que existem, persistem e resistem em meio a um caos que é a sociedade brasileira. Jornadas de vida compartilhadas nessa reportagem trazendo verdadeiramente o orgulho de sermos o que somos sem dever nada a ninguém.
Como você, durante a vida, driblou o racismo e a LGBTQIA+fobia?
— Eu sempre procurei me aliar com pessoas e movimentos que estivessem na mesma construção.
Me fortaleço a cada dia contra essa sociedade racista, fascista, lgbtfobica e machista, eu resisto e existo.
Carol Nascimento, Lesbica, 32 anos , Articuladora Social, Quatis RJ
— Eu sou privilegiado, primeiro por uma passabilidade normativa, então eu acabei não tendo acesso a homofobia gritante, como ataques fisicos, exceto aquelas piadinhas chatas que todos nós passamos.
Como negro, eu driblei da forma como muitos driblam, não se reconhecendo, o reconhecimento gera o desconforto de entender as estruturas, por não ser retinto, eu não me reconhecia, logo não entendia que o que eu sofria era racismo. Hoje, eu não driblo esses dois, acredito que o necessário é bater de frente com esse sistema,
Wellington Coimbra, gay, 23 anos, Pedagogo, Montes Claros- MG
— Sempre falo que a arte, mais especificamente o teatro e a dança atuam como combustível para me ajudar a respirar fundo e seguir adiante. Uma voz que me permite expressar o que sou e sinto, além de permitir a busca pelo autoconhecimento. A arte pode salvar e se não cura, melhora!
Átila Nonato, Gay, 36 anos, ator, Lavras,MG
— Racismo até hoje enfrento, porém em casa minha mãe sempre conversou muito comigo e me ensinou a ser e sempre querer ser melhor, sempre diz você tem que ser bom 3 vezes, 1 por ser pobre,1 por ser negro,1por ser gay. O mundo é cruel leia bastante sobre tudo, tenha objetivos de vida, estude bastante, pois a única forma de calar opressor é com conhecimento. Quando era mais novo, sofri um atentado racista na escola. Perdi a cabeça e agredi o menino fisicamente. Minha mãe foi chamada e me fez perceber que agredindo ele só fiz o que ele achou que eu iria fazer. Devemos sempre ser superior a esses tipos de agressão. O menino me respeitou, mas não por quem eu era e sim pelo medo de apanhar. Até hj depois de grande escuto, porra pretinho viado ,a não. Eu ignoro, Mas chega a ser doloroso.
Gabriel Oliveira, Gay, 27 anos, Soldador, Volta Redonda RJ
— Quando criança pequena e de outra geração mais aquém dos debates públicos colocados pelos movimentos sociais negro, lgbtiqa+ e feministas, não tive a oportunidade de ter pais atentos ao que seria considerado e mais compreendido hoje como “criança viada” e o racismo estrutural como impacta a saúde mental de crianças e jovens negros. Fui vítima do preterimento afetivo em diversos espaços, combinado ao rebaixamento da minha estética fenotípica negra, além de representar uma criança afeminada e receber todos os tipos de hostilizações possíveis, coisas do tipo: “anda direito como homem! POSTURA!” “Cabelo ruim!”, são algumas das coisas que nos marcam e não fui empoderada para rebater esse conjunto de violências.
Hoje adulta e fruto da resistência e forças de que tirei não sei de onde, busco não sucumbir a uma autoestima de sabotagem intermitente que me foi dada, procuro ler e estudar sempre os movimentos desses fenômenos, tendo em vista que, uma vez que compreendo melhor, construo munições e táticas para me afirmar positivamente, desmantelando as normas colonizadores brancas, cisgenerificantes, masculinistas e burguesas que insistem a todo tendo nos desumanizar controlando nossos corpos em fantasiosos status de belo e não-belo, palpável e não-palpável de gente e não-gente. É preciso fazer o movimento contrário e nos rebelar contra os mandos da normatividade. Coexisto através da busca por conhecimento e aninhando-se aos meus e aqueles aliados que almejam um mundo em que não precisaremos mais falar sobre essas questões.
Joane Bastos, Transsexual, Carangola – MG, 29 anos
— Durante a minha vida quando me despertei para a lesbianidade, eu de principio driblei a lesbofobia ocultando a minha sexualidade, minha orientação sexual, quando eu me senti empoderada suficiente para quando me perguntavam se eu tinha namorado eu dizia a minha namorada era … para poder falar da minha sexualidade. Passei a ir para o embate mesmo, não o embate de bater boca, mas dizer para as pessoas quem eu era . Vivemos tempos sombrios, bem complicados e difíceis, mas driblar hoje na atual conjuntura sociopolítica, driblar hoje a LGBTQIA+fobia é continuar brigando, continuar construindo políticas públicas para nossa população .
Como driblei o racismo, fazendo o que faço até hoje que é combatendo. Quando eu sei que tem pessoas brancas que podem ser parceiras na luta anti racista ainda tem como fazer um trabalho pedagógico, como fala se brincando ensinando a branquitude no amor, quando não temos que ir para a metodologia do embate político de chamar de racista, expor e dizer que a ação daquela pessoa é racismo. Na verdade o racismo é um problema das pessoas brancas e não deveria responder tal pergunta em 2021, mas ainda somos um país racista, o Brasil é um país racista. Somos maioria, porém não estamos no poder ocupando espaços de importância, mas espero que antes de morrer eu consiga ver isso, o nosso povo no poder.
Michele Seixas, Lésbica, 35 anos, Assistente Social, Rio de Janeiro RJ
— Sou atravessado pelo racismo e pela homofobia, mas antes de eu “descobrir” e aceitar a minha sexualidade e anos depois me assumir gay, eu sempre fui negro. Nunca tive dúvidas disso. O racismo me acompanha desde sempre. As primeiras violências que eu sofri na minha vida foram por causa do racismo. “Lembro que quando eu tinha 6 anos, um menino me chamou de “urubu” num tom bem irônico.
E fora outros casos de racismo que sofri ao longo da minha trajetória e principalmente na minha vida escolar. Por ser afeminado, sofria o dobro, a minha defesa era me tornar amigo das meninas (o famoso chaveirinho) isso me “blindava” da zombaria e homofobia dos meninos da minha turma. Hoje eu tento driblar o racismo e a homofobia buscando fazer amizade com pessoas negras LGBTQIA+, e participando de palestras, eventos voltado pra esse público na qual eu pertenço.
Lucas Adeniran, Gay, 25 anos, ator e jornalista em formação, São Gonçalo RJ
— Olha, pra responder essa pergunta complexa, eu destaco pelo menos três pontos. 1. Por meio do amor. Fazendo um esforço constante e consciente para me amar, me aceitar, me entender e me acolher. 2. Por meio do pertencimento. Construindo e participando de redes de afeto, de escuta, de acolhida, de apoio, de troca e de fortalecimento. 3. Por meio da luta. Ocupando espaços e posições que nos foram negados ou nos quais somos invisibilizades (como a academia, a advocacia, por exemplo), me esforçando (individual e/ou coletivamente) para um pensar e um fazer que promovessem mudanças efetivas em prol da promoção e valorização da diversidade.
Nina Helena, Travesti, 26 anos, Advogada, Rio de Janeiro RJ
— Fui uma criança extremamente efeminada até os 11 anos de idade. Sofri toda sorte de ataques e agressões homofóbicas por parte dos meus irmãos mais velhos, vizinhos e colegas de escola. Entendi desde então que precisava, para ser respeitado, performar masculinidade. Aos 12 anos, passei a engrossar a voz, a conter os gestos e a disfarçar o desejo pelos meninos e homens que conviviam comigo.
Se eu podia camuflar minha sexualidade num mundo homofóbico, não poderia fazer o mesmo com a cor da minha pele num mundo racista. Cresci acreditando ser desprovido de beleza e qualidades por ser preto. Ouvi desde muito pequeno que ser preto não era algo positivo. Familiares (também pretos) reproduziam incansavelmente piadas e expressões racistas. Cresci sem ter orgulho algum da minha etnia.
A consciência racial, o conhecimento da História do povo preto, da diáspora, vieram muito depois. O ativismo surgiu na fase adulta.
Não creio ser possível driblar o fenômeno do ódio. O que fiz foi criar estratégias de sobrevivência apesar de todas as feridas, da autoestima destroçada, dos traumas, medos e da mais profunda e absoluta solidão. Transformei-me num adulto melancólico, ansioso, solitário e inseguro. As cicatrizes são muitas. Não driblei o racismo e a homofobia mas sobrevivi a eles.
Por vivermos numa estrutura social doente, terminamos por também adoecer e só nos resta sobrevivermos uns aos outros.
Marcio Costa, Gay, Professor, Rio de Janeiro, 38 anos.