O acampamento
As mulheres estão sendo representadas por biomas. Esta é tônica do acampamento. São mais de 4.000 mulheres indígenas presentes. A mobilização das mais de 170 etnias presentes distribui-se por biomas, uma logística adequada à relação congênita dos povos indígenas com a natureza e a terra. A realização dos serviços, reuniões e o credenciamento sé dá em cinco tendas categorizadas segundo o critério de pertencimento de cada etnia a cada um dos cinco biomas brasileiros: amazônia, cerrado, caatinga, mata atlântica e pantanal
Do ponto de vista da saúde, há seguimento aos protocolos sanitários, não apenas com distribuição de máscaras, álcool em gel, porém com realização de testes de Covid-19 para os indígenas. Porém, em nota, a APIB informou que a prioridade é para os casos sintomáticos. O uso de máscara é obrigatório em todo os espaços do acampamento. A equipe de saúde conta com profissionais da saúde indígena em parceria com a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), a Fundação Oswaldo Cruz de Brasília e do Rio de Janeiro (Fio Cruz DF e RJ), Ambulatório de Saúde Indígena da Universidade de Brasília
(Asi/UnB), Secretaria de Saúde do Distrito Federal e Hospital Universitário de Brasília (HUB).
O acampamento conta, ainda, com uma estrutura própria de segurança que passa em vigília por todo acampamento, com uma quadro de pelo menos 40 profissionais ligados à causa. Uma equipe de advogados da APIB presta assistência jurídica em uma tenda especializada para atendimento. Há ainda a tenda da comunicação que recepciona jornalistas, fotógrafos e midiativistas do Brasil e de todo o mundo. Há refeições gratuitas (café da manhã, almoço, lanche e janta) para todos indígenas e credenciados, banheiro com chuveiro na capacidade de atender todos, onde vê-se carros-pipas os abastecerem as caixas várias vezes ao dia, além de tanques para lavar roupas.
No entanto, há um tensionamento evidente, desde o início de setembro, com a chegada das comemorações e desfiles militares do Dia 7 de setembro, foi anunciada a vinda de caravanas do Brasil para o apoio do presidente da república. Na madrugada do dia 6 para o dia 7 de setembro, apoiadores do presidente Bolsonaro tentaram invadir o acampamento, destilando racismo e injúrias contra os indígenas presentes. “Todos os ataques que se enquadram em crimes de racismo, injúria, calúnia e difamação serão devidamente denunciados para que sejam tomadas medidas cabíveis, bem como as condutas de intimidação e ofensas”, assegura a coordenação da II Marcha Nacional das Mulheres Indígenas. Desde então a Policia Militar do Distrito Federal foi acionada e montam guarita nas saídas para garantir a segurança dos mais 5.000 indígenas presentes.
Atos e agenda da II Marcha Nacional das Mulheres Indígenas
Na abertura da II Marcha das Mulheres Indígenas, a principal liderança da APIB, Sônia Guajajara, no palco principal do evento, sintetizou o tema deste ano, que é ‘reflorestar mentes’: “nós somos resistência, mas também somos beleza. É com este espírito de luta, de força, de coletividade e de resistência que estamos aqui juntas para fazer este chamado ao mundo para reflorestar as suas mentes, reflorestar pensamentos, reflorestar corações, porque só assim nós vamos reflorestar os nossos territórios. É por isso que nós somos as mulheres originárias reflorestando mentes para cura da terra”. Após calorosos aplausos, a marcha seguiu sua programação de atos políticos.
No Dia da Amazônia, 5 de setembro, um ato simbólico realizado pela juventude de diversas etnias da Amazônia brasileira, ocupou a frente do Ministério do Meio Ambiente, na Esplanada dos Ministérios, no final da tarde. Projeções sobre o edifício do ministério expuseram denúncias contra o desmatamento e as queimadas e o impacto sobre a fauna, a mineração e o garimpo ilegais, assassinatos de indígenas. Também foram realizadas manifestações semelhantes no Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins, mas também nos países da Pan-Amazônia, como Peru, Colômbia, Equador e Bolívia, além da França e na Alemanha.
Dia 5 de setembro, antes de tudo, é o Dia Internacional da Mulher Indígena, instituído em 1983 no II Encontro de Organizações e Movimentos da América, reunido em Tiwanaku, Bolívia. Neste dia, em 1782, foi executada, pelos colonizadores, Bartolina Sisa, liderança aimará que no século XVIII liderou revoltas e acampamentos militares indígenas contra o julgo espanhol na região de Charcas, hoje Bolívia.
Para homenageá-la, Célia Xakryabá compôs uma poesia intitulada “Somos a Voz da resistência Sementeiada Por Guerreiras como Bartolina Sisa” e lida na plenária do acampamento indígena na Funarte neste mesmo dia 5.
A II Marcha Nacional das Mulheres indígenas segue com ampla programação sobre direitos das mulheres indígenas e uma agenda de políticas públicas reivindicadas desde a sua fundação. Dia 6 houve a Roda de conversa entre as mulheres indígenas de diversos biomas e a 6a Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, que aborda Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais.
Joênia Wapichana, a primeira mulher indígena eleita a deputada federal, Pelo Rede Sustentabilidade, em 2018, esteve presente também no palco da plenária: “primeiramente esta luta é contínua, não é só das mulheres, é dos povos indígenas que vêm travado todos os dias. Apesar de dizerem que os povos indígenas são respeitados, o processo de colonização não parou. Se tivesse parado nós não estaríamos aqui para garantir o que está escrito na Constituição, nosso direito à vida, o direito de ter a terra demarcada, o direito de não ser assassinada, estuprada, o direito de ter políticas públicas para terras indígenas”.
Parem de matar as originárias da terra
O tema do feminicídio também subiu o palco. “Quem matou Daiane Kainganq?”, “Parem de matar as mulheres indígenas”, “Raissa presente!”, eram os cartazes abertos no palco, no segundo dia, pela manhã na tenda da plenária principal. O protesto memorava Daiane Kaigang, de apenas 14 anos, foi encontrada morta e nua, próximo a sua Terra Indígena Guarita, no município de Redentora (RS), no mês de agosto último. Investigações da Polícia Civil são inconclusivas mas indicam sinais de estrangulamento e marcas de pneus de carro ao lado do corpo.
Outro caso no mesmo mês chocou o movimento indígena. No 9 de agosto, Raissa Guarani Kaiowá, de 11 anos, foi encontrada morta nua também, próximo à sua aldeia Bororó, município de Dourados (MS). Ela foi jogada do alto de uma pedreira desativada após ter sido vítima de estupro coletivo. Dos cinco suspeitos presos, um era o tio que confessou violentá-la desde seus cinco anos de idade.
Segundo relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), “Conflitos No Campo Brasil 2020”, publicado em maio de 2021, “Foram 37 estupros em uma década, sendo as principais vítimas mulheres quilombolas e das etnias originárias”. De acordo com a professora de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e assessora jurídica popular Tatiana Emilia Dias Gomes, “a noção de patriarcado patronal branco para compreender uma racionalidade e como um ‘corpo elaborado de teorias e práticas’ que operam sobre os corpos das mulheres, notadamente negras e das etnias originárias, promovendo violências físicas interpessoais, mas também aniquilando seus projetos de mundo e existência”.
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