Mel Duarte
Crédito: Arquivo pessoal de Mel Duarte

Obra da poetisa é combustível para revolta e esperança nestes tempos de embates

Comecei a ler Colmeia, livro que reúne toda a produção de Mel Duarte, no dia em que um jogador brasileiro de vôlei revelou sua ignorância homofóbica. Entre mais uma decepção com os rumos do país e as possibilidades de avanço civilizatório, a leitura da recém-lançada coletânea me ajudou a seguir em frente.

E não só pela qualidade poética, em geral alta, ou pela postura política, inevitável, da obra de Mel Duarte. É porque a trajetória da multiartista de 33 anos representa um dos muitos exemplos possíveis das mudanças que, sim, estão acontecendo neste brasilsão – ou melhor, em parte dele, a que nos interessa, apavorando seres ainda em estágio de evolução anteriores à pedra, como o mencionado jogador de vôlei.

Crédito: Arquivo pessoal de Mel Duarte

Mel Duarte – nascida, atenção, em 1988, no centenário da Abolição dos escravos – construiu uma trajetória múltipla que nos faz pensar: finalmente, a libertação começou. Filha de grafiteiro, ou seja, do hip hop, a paulistana dá palestras, organiza batalhas de rima com as minas, coletânea de poemas com a manas, grava um disco sensualíssimo e escreve livros (foram cinco, os de poesia estão reunidos na coletânea Colmeia, a sexta obra, que inclui escritos inéditos).

Essas e outras emanações artístico-políticas apavoram muito mais do que jogadores de vôlei. Há uma imensa legião que, cada vez mais, sente a bolada na cara vinda direto das mãos, e das mentes, que representam fundamental tomada de consciência. Sim, reacionários, estamos falando de empoderamento, potência, gênero, raça, cor, entre outras emergências.

Rebeldes se levantam e – para continuar com a metáfora do movimento, que não se refere somente a atletas “da elite do vôlei” – poetisas saltam, gingam, descem até o chão, esfregam na cara dos caretas porque “minha geração não fica mais calada, hoje minha boca é meu escudo e minha espada”, conforme lemos em Colmeia.

Além da posição de confronto, a poesia de Mel Duarte traz surpresas ainda mais alentadoras do que a constatação de outra Dandara nas fileiras de combate: ela fala de amor, de tesão, de pelos arrepiados, de corpos que se encaixam, de desejo. É a parte doce, em abundância, que degustamos no livro e no disco Mormaço – entre outras formas de calor, de 2019.

Sem desconsiderar que toda avaliação estética é parcial, contextual, biográfica e amplamente discutível, os poemas curtos de Mel Duarte são os melhores. Ela entende que a concisão é mais do que escrever em poucas palavras, tem a ver com concentrar amplitudes, como em “Saiu do banho e vejo como ainda brilha,/ parece água mas é purpurina,/ tem um corpo que me chama pra dançar na vida,/ nosso carnaval não acabou ainda…”.

Não acabou. Nem o carnaval, nem a luta por um país decente, que mal começou, e tanto ataca quanto defende, assim como bloqueia adversários da causa. E que entra no jogo, como Mel, para ganhar. Sacou?

Ouça agora dois poemas de Mel Duarte.

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