Kellvn
Crédito: Divulgação

Na próxima quinta-feira, dia 25 de novembro, Kellvn lança o primeiro álbum de sua carreira. Para lançar o álbum “Cura”, o rapper contou com fomento da revista Noize Record Club e parceria com a Casa Nem.

Cria do Gardênia Azul, bairro periférico, localizado na Zona Oeste do Rio de Janeiro, o artista transformou as próprias experiências de vida em música, e agora através da arte conta sua história.

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O artista tem como referência para o álbum, Madame Satã, transformista brasileiro, uma figura emblemática e um dos personagens mais representativos da vida noturna do Rio de Janeiro. Em seu álbum Kellvn fez um paralelo entre a própria história, com a história de Madame Satã.

“Madame Satã é a primeira referência teórica que eu tenho de um homem negro gay, que fez com que eu de fato me identificasse e quisesse conhecer mais. Eu sempre me senti deslocado no movimento negro por ser gay e sempre me senti deslocado no meio LGBTQIA+ por ser negro. Eu encontrei nele uma base para entender todo o processo de colonização do Brasil a partir de uma identidade igual a minha. Eu amo tanto Madame Satã que absolutamente tudo o que eu faço é pensando em como ele faria se estivesse no meu lugar”, disse Kellvn.

Saiba mais sobre o artista Kellvn

Carioca, cria de Gardênia Azul e gay, Kellvin Augusto de Andrade (28), começou a passear pela música ainda criança, aos 6 anos, em corais da igreja. Porém, o interesse pela produção autoral veio somente aos 24 anos, depois de enfrentar inúmeros desafios vividos por um corpo negro e LGBTQIA+.

Até se encontrar na arte, o artista já passou pela sala de aula como professor de Geografia, como vendedor de livros e vendedor de cocadas na praia. Foi a não aceitação da família sobre a sua sexualidade, relacionamentos afetivos frustrados, a passagem por um abrigo e a dificuldade de se adequar ao mercado de trabalho que fez da arte a principal ferramenta de comunicação e sobrevivência do rapper.

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A igreja costuma abrir portas para o sucesso de muitos artistas que passam por lá, mas o relato de Kellvn mostra que com ele não foi assim. “Primeiro que a igreja nunca abriu portas pra mim, muito pelo contrário, sempre foi sinônimo de repressão. Mas é sinal de sabedoria aprender com cada experiência e o mais importante de todos os 14 anos que passei na igreja foi justamente perceber que o errado o tempo todo não era eu. Especificamente sobre cantar, antes mesmo de eu encostar no microfone da igreja eu já me sentia representado pelo RnB de Claudinho e Buchecha e o pop da Kelly Key”, afirma o rapper.

A passagem pela Casa Nem

Kellvn foi morador da Casa Nem, uma casa que acolhe LGBTQIA+ em situação de vulnerabilidade social e que atualmente está localizada no Flamengo. Ele relata como chegou até o local. “A pandemia afetou todo morador de favela. A minha relação com o meu pai, que nunca foi muito boa, só piorou por conta das dívidas e tal. Em uma discussão dele com a minha mãe, aconteceu uma briga física entre a gente e fomos todos expulsos de casa por ele. Consegui me estabelecer com a minha mãe por alguns meses, mas o peso de não ter dinheiro pra contribuir em casa e o psicológico abalado me fez ir pra um lugar que eu já tinha conexão como colaborador desde a sua fundação, em 2015”.

Perguntado sobre o que ficou de importante dessa experiência ele disse que, “Sem dúvida, saber que é sempre possível recomeçar”.

Conhecendo o álbum “Cura”

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Assim como muitos artistas que buscam cantar o que vivem ou viveram, o artista se entendeu como cantor após o fim do primeiro relacionamento. “O relacionamento foi bastante abusivo. Sinto que foram dois anos e meio de autoestima e identidade perdida que eu precisava recuperar sendo o mais genuíno possível. No mesmo dia que eu terminei, foi o dia que eu compus ‘Cura’”, contou.

O projeto que levou dois anos para ser concluído, possui nove faixas, todas autorais e três clipes já estão disponíveis no canal do artista no YouTube.

É um compromisso que eu tenho comigo mesmo de cantar apenas aquilo que eu compor.

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“A princípio, Cura seria só um single de desabafo. Depois do retorno positivo que eu tive quando, na época, o Vereador do Rio, David Miranda, me citou no Instagram, foi quando eu percebi que eu tinha muito mais a dizer. Foi quando eu entrei em contato com o Memê para produzir mais algumas faixas e, com ele, produzi mais quatro beats para o álbum. Depois que saiu Gardênia Azul, eu tive um retorno positivo de pessoas da própria cena do rap LGBTQIA+ e, depois de Heresia, com a Negra Rê, eu ganhei espaço em rodas de rima e eventos voltados para o Hip Hop no Rio de Janeiro. Como foi um projeto que levou dois longos anos a ser concluído, na medida em que eu ia lançando as faixas, também passei a conhecer nossos produtores e pessoas interessadas em colaborar com o projeto. Deu no que deu”, falou Kellvn.

O rapper que já se apresentou em eventos de grande reconhecimento, como a Parada LGBTQIA+ Brasil e a WorldPride 2020, a maior parada LGBTQIA+ do mundo, lança seu primeiro álbum após ter seu projeto beneficiado pelo Edital GIRA!, da Noize Record Club, e conta com o apoio dos projetos sociais Casa Nem, Palco Lapa 145 e KuzinhaNem, da produtora Lava Produz e do produtor de conteúdo Pretas Bixas.

“Ter o projeto aprovado foi fundamental, eu não esperava. Me inscrevi para não ficar com o peso na consciência de não ter tentado e, quando estava na academia e li o e-mail com a convocação, parei até de malhar para ligar para o Rodrigo, meu DJ e produtor que mora em São Paulo, pra gente estabelecer um novo plano de divulgação, visto que o edital era justamente focado em impulsionar projetos de forma digital e eu já tinha tudo basicamente pronto. Obrigado, Noize!”, declara o artista.

Sobre a produção do álbum de Kellvn

Todas as músicas do álbum são produzidas por Memê no Beat, Avila e DJ Betão, que já trabalharam com artistas como ÀTTØØXXÁ, Nêssa e Derxan. O design da capa do álbum e estratégia de divulgação é de autoria de Leandro Assis, que já assinou projetos com IZA, Heavy Baile e RuPaul, juntamente com Diego Justino, designer do Distrito Federal. A direção geral é responsabilidade do próprio Kellvn e com produção executiva de Rodrigo Muniz, que é também seu DJ principal.

O artista que se vê em cinco anos vivendo da própria arte, fazendo música com as próprias referências e construindo projetos de educação e cultura para moradores de favela, finaliza falando sobre a frase, “Vim pra contar minha versão da história”. Esta é a frase que inicia a narrativa do artista sobre seu processo de cura.

“Eu não quero aceitar a solução das mãos de quem causou todos os problemas. Existe uma saída na coletividade e uma representação real na produção de narrativas que vão para além do que se vê na televisão e do que as pessoas falam nas universidades, por mais que de fato a informação instigue a curiosidade e desperte muito a ação. O ponto é que o meio é tão importante quanto o fim. O que a gente faz aqui e agora? O que a gente deixa de fato pra quem está te dando atenção aqui e agora? A gente sabe que o tal topo não é pra todo mundo e o que acontece com os outros 99,99% das pessoas que não chegam lá, a gente já sabe. É pressão social dizendo que são fracassados, é a depressão tomando conta e a dificuldade de enxergar o valor que existe dentro da gente enquanto ser humano, com sentimentos e alma em um mundo cruel. A minha versão da história é uma história de constante busca por autonomia”.

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