Bastou o Ministério da Cultura cumprir e procurar fazer cumprir a legislação nacional sobre a acessibilidade, para que, subitamente, as pessoas com deficiência tivessem seus direitos culturais atacados. Sim, o presente momento de retomada das políticas culturais revelou muito do que há de pior no capacitismo reinante em nossa sociedade.
Bastou a legislação cultural acenar para a inclusão de indutores, que reparam as condições de desvantagens sob as quais vivem negros e negras, pessoas com deficiência, pessoas indígenas e população LGBTQIA+, para que parte da indústria cultural reagisse ferozmente contra a inclusão desses segmentos na vida cultural do Brasil.
A reparação pela acessibilidade, por exemplo, que é, em suma, a garantia do exercício do gozo cultural por parte de setores que historicamente foram apartados da vida cultural, tem sido negada a cada projeto, a cada tentativa de argumentação baseada nos direitos humanos. E é por isso que precisamos abrir bem os olhos diante das ameaças e dos ataques.
E quando começam os ataques? Começam quando produtores culturais, nomeadamente aqueles do cinema e audiovisual, relutam em cumprir a legislação garantidora da acessibilidade em projetos culturais. Começam quando esses, e outros tantos, acorrem aos palácios de Brasília para pedirem a relativização da lei, a opcionalidade no cumprimento das determinações legais.
Começam quando inúmeros proponentes de projetos culturais deixam de contemplar a acessibilidade e, queixosos, representam contra o estado alegando terem sido feridos pela obrigatoriedade do fornecimento dos recursos de acessibilidade. Alegam o direito de descumprir a lei. Começam quando, apesar de citarem os recursos de acessibilidade em seus projetos, não os ofertam na execução de suas ações. Começam também quando questionam se é realmente necessário trazer as pessoas com deficiência para o meio.
As pessoas com deficiência precisam tomar esse direito, agarrá-lo!
A acessibilidade não é algo intuitivo ou uma bandeira de luta. Antes, um legado constitucional desde o início deste século! É algo previsto na Lei 10.098 de 2000; é preceito estabelecido no Estatuto da Pessoa com Deficiência, de 2015 (Lei 13.146).
A audiodescrição está na lei. E daí? A Língua Brasileira de Sinais e a legenda para surdos e ensurdecidos estão na lei. E daí?
Não basta estar na lei, é preciso ter-se um mínimo de respeito pelas pessoas. É preciso descer um pouco do lugar do intocável e devolver a essas pessoas o status de sujeitos de direitos.
A acessibilidade não quebrará nenhum festival de cinema, por mais periférico que seja. Ao contrário, devolverá dignidade e respeito a pessoas que, por gerações, nunca pisaram em tapetes de qualquer cor.