Tenho cá pra mim que o movimento feminino organizado contra aquele cujo nome não se diz em casa de família nem na frente de crianças se insere no processo mais amplo e profundo de ascensão das mulheres ao poder. Vem de longe, se desenvolve com a força e a determinação, não apenas irriga o solo, mas sobretudo finca raízes que já formam a base sobre a qual caminhamos todos. Os avanços são notáveis, apesar da resistência masculina que vem desde a figura do homem das cavernas puxando a mulher pelos cabelos até o feminicídio diário nas periferias e nos bairros ricos das maiores cidades.
Não creio que seja o acaso o responsável pela candidatura de um capitão e um general do exército, como tampouco acho suas declarações resultantes do temperamento explosivo e da ignorância. A liderança nas pesquisas eleitorais reflete a parcela da sociedade descrente da política, que enxerga na farda militar a saída para a roubalheira e a bandalha nacional. Não defendem a volta da ditadura, exatamente, mas querem a velha ordem, com cada no seu lugar, a mulher, o negro, o índio, as minorias em geral. No uísque semanal com os confrades do Clube Militar, o vice general deve chamar gay de invertido e paraíba, mulher de piranha e qualquer jovem de maconheiro. Os rótulos demoram muito tempo para sair.
Na minha opinião, o movimento feminino, portanto, não é contra o capitão e o general, não é nada pessoal, embora visto assim do alto sugira o oposto. O grito é contra o retrocesso representado pela dupla, a volta ao atraso do qual as mulheres vêm se livrando a duríssimas penas e que ameaça desabar sobre todas, se possível com revogação da Lei Maria da Penha, extinção das delegacias de atendimento específico, da licença maternidade e do direito ao voto. Nada é impossível a esses homens da elite fardada, togada, de terno ou de jaleco. O “Elenão!” é o resumo, o carimbo, o grito de protesto e o apelo geral pelo boicote ao retrocesso mais óbvio.
Ainda neste prisma, a vice Manuela d’Ávila é a presença mais relevante entre as mulheres integrantes das chapas concorrentes, de Sonia Guajajara e Marina a Katia Abreu, sem esquecer a governanta dos pampas Ana Amélia. É Manuela quem personifica o repúdio mais radical aos militares nas urnas e é também por isto a que sofre os ataques machistas mais rasteiros e grosseiros, muitos comentados pela própria em vídeos para seu canal no youtube.
Por outro lado, na mesma proporção que amplia seu espaço, mulheres são vítimas preferenciais em sociedades como a nossa, em que general rotula família sem pai ou avô como “fábrica de elementos desajustados” e considera africanos em geral “mulambada”. Qual a situação social da mulher africana segundo esses conceitos não sei, mas esta mentalidade, repassada de geração a geração, explica muito por que na nossa sociedade não se ouve o pranto e o ranger de dentes das mães da favela que perdem filhos todo santo dia para a violência institucional banalizada.
Explica por que não causa indignação a supressão das conquistas trabalhistas e sociais das mulheres retiradas há poucos anos da escravidão do serviço doméstico na casa grande. Por que, apesar de ter chegado à presidência da república, a brasileira continua vítima preferencial da violência institucional e institucionalizada, banalizada, aceita e defendida por adeptos do discurso daquele cuja presença assusta e causa arrepios.