A cidade é um corpo. Cada bairro é um órgão, e exerce uma função neste corpo. No terreno dos símbolos, os órgãos podem ser mistos. A Lapa, por exemplo, é um pouco de lado esquerdo do cérebro carioca e outro tanto de coração pulsante. E Madureira, Mangueira, Santa Cruz, Santa Teresa… Cada bairro pulsa de um jeito dentro do organismo urbano.
A arte é um líquido espesso e multicolorido, e também ar, e também fogo sagrado. A arte precisa circular intensamente, livremente, é um sangue autônomo a inventar jornadas e artérias.
Arte tem batimentos, pulsação e fluxo que irriga a alma e o corpo da cidade. Arte não é só passado e história. Tem a urgência funcional de um órgão vital. Arte é agora e é nossa, desses nós que se formam por escolha, identidade, afinidade. Como órgão, está fadado a ser orgânico.
Mesmo virulenta, agressiva ou vândala, a arte é, sempre, amor e generosidade. Arte é o enriquecimento imaterial da experiência humana. Consagração da alegria, da rebeldia, da autonomia, do encontro e da liberdade.
Nós somos esta cidade. Ela nos pertence, conjuntamente. Somos a megatribo do megaterritório. Nosso direito à cidade é natural. Nasce conosco. Se ele for contrariado, negado, lutaremos movidos por forças que, muitas vezes, vão escapar de nossa própria compreensão e controle.
É o que está acontecendo agora. O que está acontecendo agora é o que nos aflige e une. E a potência desta união vai nos animar a agir.
Assustados e noiados, dizem que somos o que não somos e, contrariando nossos olhos e sentidos, exibem narrativas mentirosas, agressivas, desrespeitosas. Estão pintando quadros aterradores e dizendo que são espelhos dos fatos. Tudo distorcido. Jogo claro.
Nós, as testemulhas oculares, corpos entrelaçados nos fatos, ficamos espantados com a distância entre o vivido e o narrado. Todo silêncio será castigado. Somos tijolos e o encontro é a argamassa de nossa muralha de autonomia e liberdade. Este será um ano de construção e reconstrução. Somos peãozada e engenheiros-gambiarras.
Arte é uma grande pirâmide imaterial feita para dar um recado aos faraós-caozadas.