Brasília completa 60 anos amanhã, 21 de abril, e repensa conceitos e princípios que orientaram sua construção e foram corrompidos pelos anos de crescimento desordenado, desvios do uso do solo que ainda hoje desafiam leis humanas e da natureza, ameaçando o futuro. A “Capital da Esperança” de André Malraux, ministro francês da Cultura de 1959 a 1969, que criou essa marca, um carimbo, quando visitou a jovem capital em 1961. No mesmo ano, o cosmonauta russo Yuri Gagarin, primeiro homem a ir ao espaço, disse ter a impressão “de estar desembarcando em outro planeta” quando chegou à cidade.
O destino de centro político-administrativo do país estava no horizonte de outro visionário, o antropólogo Darcy Ribeiro, como também a capital cultural do país, para onde convergiriam as mais variadas tendências e manifestações culturais dos mais distantes rincões. Ao fundar a Universidade de Brasília, em 1962, num discurso profético, falou da grandiosidade física da universidade e da vocação que nortearia sua existência, mas advertiu, prudente e sábio, que não se esquecessem que tudo aquilo, UnB, Brasília e o Distrito Federal, estava dentro de Goiás.
Darcy não desmereceu o estado, mas sim ressaltou o caráter interiorano marcado pelo atraso cultural, social e político de todo o enorme território chamado Brasil. O tempo, senhor da razão, comprovou a advertência, e antes mesmo do seu quarto aniversário, Brasília foi transformada na capital da ditadura militar, da censura, da liberdades cerceadas, do fechamento do legislativo, da corrupção, do silêncio e da violência.
Aos cinco anos, a universidade que seria o centro inteligente da capital da esperança foi ocupada por tropas militares; professores e alunos foram presos, demitidos, expulsos, torturados, mortos. Um general da época se vangloriava da criação da base aérea militar de Anápolis, de onde jatos voariam para Santiago do Chile em meia hora. O Secretário de Segurança local, outro general, gabava-se de fechar os acessos à cidade em dois minutos. O binômio “segurança e desenvolvimento” do regime vencia de maneira inapelável a liberdade.
Ao longo dos anos, Brasília conheceu sua geração inaugural, as manifestações culturais forçaram passagem e a repressão político-social teve de lidar com filhos e filhas de generais, almirantes, brigadeiros, juízes militares, ministro de estado, altos funcionários públicos. A geração nascida ou transferida para Brasília ainda criança, fazia corrida com Nelson Piquet, filho de deputado, nos eixões desertos e cantava com os meninos do Aborto Elétrico (depois Legião Urbana), Plebe Rude e do antigo Capital Inicial.
Brasília voltava a respirar e afirmava sua jovem personalidade a cada dia, a cada ano, até o fim da ditadura e a volta das manifestações artísticas livres, por todo o período de transição para a democracia mais longo já vivido no mundo. Todo este processo para ver a volta dos generais e coronéis ao governo, como se nunca houvessem saído dele. Mas agora Brasília não é uma menina de quatro anos: é uma sexagenária que sabe o que é bom e o que não presta. Feliz aniversário!