A censura e o retrocesso escancarando a porta da frente para tentar trancar a Porta dos Fundos

Imagem: Divulgação Especial de Natal Porta dos Fundos.

Quem foi Jesus Cristo, realmente, alguém saberia dizer com total exatidão? O pouco ou o muito que sabemos sobre ele, é o que historiadores, antropólogos, arqueólogos, e alguns teólogos nos revelam, e versões que são sempre contestadas pelas Igrejas e pelos cristãos. E é claro, a história um tanto fantasiosa que está na bíblia, e a que é passada pela Igreja Católica a mais de 2 milênios de anos.  Mas, as versões são todas baseadas em suposições, imaginando-se que Jesus teria vivido assim ou assado.

Então, já que não temos nada que confirme de fato quem foi Jesus Cristo, se ele realmente existiu e se caminhou sobre a terra ou foi mais um homem comum, que teve algum ato heroico e a Igreja resolveu transformá-lo em mito, em o único salvador da humanidade, cada um de nós pode usar a imaginação para criar o Jesus que quisermos, não é mesmo? Cada um com seu Jesus Cristo e não se discute mais o assunto!

Mas, infelizmente, não é bem assim que funciona, pois a Igreja Católica e (agora) as Evangélicas parecem ter o total monopólio sobre a história da vida de Jesus, só elas querem contar a história deste personagem com muitas peculiaridades. É como se só elas possuíssem os direitos autorais da obra escrita, sobre a biografia deste homem que viveu entre os mortais por apenas 33 anos – segundo o que elas nos contam.

Aliás, durante muitos séculos, os direitos pertenciam somente à Igreja Católica, que criou uma data para comemorarmos o nascimento de Jesus, uma para comemorarmos a morte e a reencarnação do mesmo. A mesma Igreja também criou a imagem que todos nós conhecemos de Jesus Cristo. Um homem alto, de pele bem branquinha, cabelos, barba e bigode loiros, olhos bem azuis, traços bem europeus, mesmo ele tendo nascido no Oriente Médio, próximo à África. E durante um bom tempo só ela explorava a história e a imagem do filho de Deus, até os protestantes quererem também os mesmos direitos e iniciarem uma disputa, ao ponto de reeditarem a bíblia sagrada, contando a história à sua maneira e em seus próprios idiomas, deixando o livro sagrado de ser escrito apenas em latim.

A disputa entre as Igrejas para explorar a história da vida de Jesus Cristo, dura até hoje, e pelo visto está longe de acabar. Mas, uma coisa é certa: só elas se sentem com o direto de nos contar, à maneira que bem quiserem. E quando alguém tenta entrar nessa briga, a coisa fica feia. E foi o que aconteceu com a produtora Porta dos Fundos ao tentar contar a história de Jesus como eles imaginam.

Mas, a produtora não é a primeira a sofrer críticas e censura da Igreja ao contar a história do Messias. O ator e diretor Mel Gibson no ano de 2004 foi duramente criticado pelos católicos e cristãos em geral pelas cenas de tortura que Cristo sofria em seu filme, Paixão de Cristo. Mas, não é a própria Igreja que conta com orgulho que Jesus foi torturado e morto pregado na cruz pelos romanos? Então, porque tanta indignação com a história que eles nos contam séculos?

Outro filme que foi alvo de polêmica foi Maria Madalena, do diretor Garth Davis, exibido nos cinemas no ano de 2018. Na versão de Davis, Maria Madalena e Jesus tiveram um relacionamento amoroso, e após a morte dele a seguidora era chamada de líder pelos apóstolos. Isso foi motivo suficiente para a instituição religiosa mais poderosa do mundo criar atrito e tentar proibir a exibição da obra. É claro que protestantes e evangélicos também não deixaram por menos, entraram na briga tentaram impedir a que o filme passasse aqui no Brasil.

No final da década de 1980, mais precisamente, no ano de 1988, o filme A Última Tentação de Cristo já havia cenas também insinuando que Jesus e Madalena tiveram um romance, e também foi alvo de críticas da Igreja e boicote por parte de grupos cristãos. Não aceitaram ver a história de Jesus Cristo sendo contada de uma outra maneira, com menos fantasias e o mesmo sendo tratado como um homem e um ser humano comum, sem superpoderes, como eles gostam de nos contar e como está escrito na bíblia.

Como podemos observar estes episódios anteriores, sempre houve tentativa de censura a produções que mexam na história bíblica, e com produtora Porta dos Fundos, as Igrejas e os cristãos não agiriam diferente, já que se julgam donos da obra sobre a vida de Cristo. Ainda mais sugerindo que Jesus teria tido uma experiência homossexual, pois, se uma experiência heterossexual já causou o maior burburinho … o Mestre dos Mestres, como eles o gostam de chamar, na concepção deles deve passar a ideia de um homem casto, puro, imaculado, assim como sua mãe, que engravidou aos 15 anos do Divino Espírito Santo, mesmo sendo virgem. Essa é a versão que eles querem que aceitemos sem questionar e duvidar.

Como disse no início do texto, por ninguém saber dizer ao certo, com exatidão quem foi Jesus Cristo, sugiro que cada um o descreva ao seu modo. E qual foi o crime cometido pela produtora Porta dos Fundos, já que, assim como a Igreja, ela contou a história à maneira que acha que aconteceu? E se Jesus tiver sido mesmo homossexual, isso poderia alterar a história e tudo cair por terra? O homem de vida simples, que nasceu num estábulo, que andava entre os excluídos, que realizou diversos milagres, curou paralíticos e leprosos, ressuscitou mortos, não teria existido e, assim, em consequência, não teríamos mais o Natal, a Semana Santa e também a Páscoa? Como gay, Cristo não poderia ter realizado tais proezas, como caminhar sobre as águas?

A atitude dos cristãos não só demonstra um grande preconceito e homofobia, mas uma total distorção dos ensinamentos de Jesus. Interpretam mal a frase “amai ao próximo como a ti mesmo”, pois escolhem o próximo que querem amar. Para estes cristãos, o próximo para ser amado, deve ser branco, hétero, crer somente em Deus e Jesus Cristo, detentor da moral e bons costumes, ser de família tradicional e portar uma arma. Trocando em miúdos, ser um cidadão de bem. Imaginem se eles iriam amar alguém que ama e vive diferente deles e, pelo visto, nem se esse alguém fosse o Jesus Cristo. E se ele voltar à Terra, que volte bem macho, de preferência homofóbico, racista, egoísta, sexista, misógino, charlatão, bastante preconceituoso, e sem essa de andar com os excluídos. Que volte com muito ódio no coração e semeando por onde passar, pois é assim que eles o veem.

Se Cristo voltar à Terra assumidamente gay, estará trazendo consigo a confirmação do retrocesso, e em pleno século XXI, ele correrá o risco de ser julgado pela Santa Inquisição e dessa vez ser queimado em uma fogueira em praça pública por aqueles falam em seu nome e pelos que dizem que o seguem. Eles querem o Messias que a Igreja criou para que amassem cegamente, ao ponto de praticar atos de terrorismo para defendê-lo. Ao ponto de odiar quem criar um outro diferente do deles.

A polêmica com a produtora Porta dos Fundos está longe de acabar, pois, terá sempre um juiz, desembargador, que para ter seus 15 minutinhos de fama, ter seu nome divulgado na mídia várias vezes, assinará um pedido de alguém ou de alguma instituição, que também quer aparecer, para retirar o especial de Natal do ar. Ainda terão muitos cristãos escrevendo textos cheios de preconceito nas redes sociais.

O Brasil está polarizado, o ódio e retrocesso caminham juntos. Os detentores da moral e bons costumes, lutam incansavelmente para que o país tenha uma religião única, um único modelo de família e modo de vida, um Deus único e um Jesus Cristo único, com a imagem e a semelhança deles. E assim como a Porta dos Fundos, quem ousar a mudar essa história, será duramente criticado e censurado por eles, os terrivelmente evangélicos e cristãos.

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Carla Regina
Sou estudante do último período da faculdade de Jornalismo, gosto muito de ler e de escrever. Me acho simpática, pelo menos é o que me dizem as pessoas quando me conhecem, mas creio que eu seja sim, pois adoro fazer novas amizades e conservar as antigas. Comunicativa, dinâmica e muito observadora, um tanto polêmica. Gosto muito de trabalhar em equipe, mas, dependendo da situação, a minha companhia para trabalhar também é ótima. Pois, na minha opinião, a solidão aguça a criatividade, fazendo com que a mente e os pensamentos fluam um pouco melhor. Comecei a trabalhar muito nova, ainda quando criança e já fiz muita coisa na vida, mas meu sonho sempre foi ser Jornalista e Historiadora, cheguei a ter muitas dúvidas de qual faculdade cursar primeiro, já que para mim as duas carreiras são maravilhosas. Então, resolvi entrar primeiro para o Jornalismo e no decorrer do curso percebi que cursar a faculdade de História não era só uma paixão, mas também uma necessidade para linha de jornalismo que que pretendo seguir. Como sou muito observadora e curiosa, as duas profissões têm muito a ver com minha pessoa. Amo escrever e de saber como tudo no mundo começou, até porque. tudo e todos tem um passado, tem uma história para ser contada.