Boa parte dos meus amigos de copo rejeitariam de primeira a um convite para uma cervejinha dentro da segunda maior favela da América Latina. Pensariam que talvez “cervejinha” fosse uma mera formalidade ou um código secreto, pois o que estaria por trás seria o uso de substâncias nada liquidas. Pelo menos então algum tipo de falcatruagem deveria estar envolvido, afinal ninguém entra num lugar tenebroso desses se não estiver com alguma boa vantagem. Ou então simplesmente pensariam o que na verdade se pensa: – Que o anfitrião não goza mais de sanidade e se tornou um potencial suicida.  Bom, nada mais disseminado e igualmente tão errado em tudo isso! Em primeiro lugar minha cabeça está muito boa e o que me compete a fazer é prestar todo o meu pesar à ignorância de um grande setor de massas, em especial a classe média paralisada. Que apesar do nível cultural e acadêmico, conseguiu canalizar todas as suas insatisfações e frustrações, pessoais e coletivas, para a mesmice dos cotidianos televisivos, dos shoppings, dos conturbados relacionamentos familiares ou dos sedativos farmacêuticos. Esqueceu o que se passa para além dos muros de seus condomínios e perpetuou assim suas indiferenças pós-modernas, com o carimbo da chancelaria da famosa cultura dominante por detrás que, afinal de contas, se prestou em décadas para cumprir o desserviço da construção da criminalização da maioria da população e de disseminação dos preconceitos nessas comunidades e favelas carentes.

Voltamos ao assunto tema, muito mais agradável e prazeroso. Lá dentro do Jaca temos a famosa Praça da Concórdia, em resumo, a cada quinze dias ocorre uma intervenção cultural da nossa ANF, Agência de Notícias das Favelas, chamado REP – Ritmo e Poesia onde poetas, MCs, sambistas e versadores soltam a voz, tudo sob a maestria de Rumba Gabriel. Por esse local encontramos alguns botecos com suas especialidades. Churrasco profissional servido em prato, cerveja litrão a preço de bebedeira, cachaças de todos os sabores e misturas aromáticas e muito papo bom. Saindo para dar uma volta em companhia do nosso Barbeirinho do Jacarezinho, que lá dentro não gosta de ficar parado, vamos percebendo que o Jaca tem uma cultura de bar imponente. Não se anda muito para cairmos no seio etílico de um bom botequim onde se prima os encontros de compositores de samba e partido alto. Verdadeiros versadores de raciocínio rápido que no linguajar local, “botam pra f.” Dali em pouco tempo sambas são costurados, iniciados e terminados como na velocidade de uma conversa do cotidiano. É tão tradicional que ainda podemos ver alguns poucos espertos, que parecem viajar da década de 30 para nossos tempos atuais, se atreverem a apropriar-se de um verso solto de um poeta descuidado.

Quando começa a cair o entusiasmo pulamos para outro bar, um boteco tão aconchegante que não há outro modo de chamar que não seja de Toca. A famosa Toca do Urubu que apesar do nome conserva o escudo dos principais times do Rio e o América em suas paredes. Lá encontramos os compositores da Escola de Samba do Jacarezinho misturado com os rubro negros, vascaínos, botafoguenses e tricolores. Uma salada de frutas que se imortaliza numa camisa artística de todos os times com o nome do estabelecimento. Para comemorar um bom encontro, um puxador da escola, extremamente parceiro, aproveita a presença do nosso Barbeirinho e relembra com timbre de alto e bom som os melhores sambas enredos por eles criados. Pedimos depois de intensa festa licença e vamos caminhando por mais um, dois, três e perdendo a conta dos bares que vamos nos acomodando entre sardinhas fritas, cervejas geladas.

Algumas horas depois de uma maratona, tipo “Jacaré Botequim”, pra botar inveja em qualquer outro circuito urbano do Rio, voltamos para a nossa Praça da Concórdia e comemoramos por estar vivendo, aprendendo, criando e, principalmente, cultivando amizades e liberdades.