Em fevereiro deste ano, assumi a direção do Teatro Popular Oscar Niemeyer, um equipamento cultural da Prefeitura de Niterói. Posso dizer que é a realização de um sonho e um dos maiores desafios políticos e profissionais da minha vida. Eu era adolescente, morador de Niterói, e ia de barca estudar na Unidade Centro do Colégio Pedro II quando as curvas do Teatro Popular começaram a ganhar seus contornos de concreto armado às margens da Baía de Guanabara. Não poderia imaginar que, 20 anos depois, eu estaria trabalhando – e muito! – sob o traçado sinuoso daquela arquitetura modernista que vi surgir das fundações.
Posteriormente, morando em Brasília e trabalhando no Ministério da Cultura, me perguntavam o que faria quando deixasse o cargo de diretor de Cidadania e Diversidade Cultural. Eu respondia que, depois da experiência com a gestão em nível nacional, me encantaria dirigir um centro ou equipamento cultural, algo mais ligado à realidade de um território, de uma comunidade, de uma cidade – atuar na ponta, na concretude da política cultural, mais próximo de onde as coisas de fato acontecem. Poder desempenhar hoje este papel em Niterói, cidade onde nasci e cresci, me enche de satisfação, orgulho e esperança. Num momento tão difícil e delicado para o país, particularmente para o setor cultural, Niterói é um ponto fora da curva, onde podemos comemorar boas notícias para a cultura.
A cidade possui, como ponto de partida, uma excelente infra-estrutura de equipamentos culturais: dois excelentes teatros públicos, um Museu de Arte Contemporânea, outro dedicado à Arte Popular e diversos centros culturais vinculados ao município. Aqui está a Universidade Federal Fluminense (UFF), que foi pioneira no Brasil ao criar os cursos de graduação em cinema e produção cultural, e dispõe ainda de um Centro de Artes equipado com teatro, galeria de exposições e um cinema que conta com um dos melhores equipamentos de projeção do país, em digital e película. Niterói possui corpos artísticos estáveis, como a Orquestra Sinfônica Nacional (também ligada à UFF), uma companhia de balé municipal e uma banda sinfônica.
Mas a estrutura sozinha não resolve tudo se não vier acompanhada de uma gestão pública que dê conta dos desafios e complexidades de uma política pública. Niterói, no momento, está completando um ciclo de maturidade de suas políticas culturais, no momento em que se assiste, no Rio e no Brasil, um processo de desmonte e retrocesso em conquistas que já pareciam asseguradas ao setor.
A Prefeitura anuncia para este ano a implementação de uma Lei de Cultura, já aprovada, que conjuga o fomento direto pelo Estado através de editais com o modelo de renúncia fiscal, e deverá se tornar uma referência para os municípios do país. Com o lançamento da regulamentação previsto para agosto, a nova lei poderá já em 2018 promover um investimento de mais R$ 6 milhões por ano na área cultural. A Lei de Niterói inova em dois aspectos importantíssimos: a renúncia fiscal, além do ISS, poderá ser feita também no IPTU, o que permite aos cidadãos e aos grupos culturais comunitários se organizarem conjuntamente para um fomento territorializado para as iniciativas de cultura. Será possível, por exemplo, que moradores de um bairro e grupos locais se organizem para, através de uma espécie de crowndfunding de renúncia do IPTU, promover a manutenção de um centro cultural, realizar um festival, apoiar e promover as festas populares.
Outro aspecto importante é o incentivo fiscal, que privilegia a participação cidadã e o controle social através do Conselho Municipal de Cultura e dos Fóruns Setoriais. Com a implementação desta Lei de Cultura, Niterói – que já dispõe de Conselho, Plano, Fundo e Conferência – realiza o ciclo completo de implementação do Sistema Municipal de Cultura em seus aspectos institucionais e com ampla participação da sociedade civil. Nos próximos dias, deve ser anunciada a criação da Rede Cultura Viva Niterói, com cinco novos Pontos e um Pontão de Cultura. Um grande edital de fomento, a ser aberto para artistas de todo o país que queiram desenvolver projetos na / com a cidade, e a criação de uma escola de artes municipal, com modelo transdisciplinar inspirado na Escola da Árvore de Portugal, são algumas das novidades interessantes que vêm por aí.
Nesta semana, o grande produtor e agitador cultural Júlio Barroso escreveu neste portal um artigo onde comentava, com justa indignação, o panorama desolador da cultura na cidade do Rio de Janeiro, com o sucessivo fechamento de teatros e espaços culturais públicos e privados, desinvestimento no setor, não pagamento de editais e compromissos assumidos. O esvaziamento da política cultural no município do Rio de Janeiro é preocupante e atinge não só a cultura, como também a economia da cidade. Mas esta crise pode também criar uma oportunidade para que o setor cultural carioca – artistas, produtores, trabalhadores e realizadores culturais – abracem definitivamente a sua vocação metropolitana, e passem a atuar política e culturalmente olhando para mais além, no estado e no país. Ou pelo menos, para o outro lado da Baía, para a cidade vizinha tão próxima, mas às vezes (para o carioca) tão distante.