A desumanização dos estigmatizados

Pe. Damien padroeiro dos proscritos, com sua comunidade no leprosário na Ilha de Molokai - Foto da internet

Erradicada em muitas partes do mundo, o Brasil ocupa hoje o segundo lugar na ocorrência da Hanseníase. Ainda mais cheio de simbolismo que esta estatística é a própria doença ao longo dos tempos. A enfermidade bacteriana ataca nervos periféricos, articulações e pele, provocando incapacitação e deformação física. Desde sempre essa população foi altamente estigmatizada, posta de lado em condições desumanas e abandonada à própria sorte e morte.

Há algumas décadas veio se convencionando o abandono do termo “lepra”, pelos estigmas sociais e culturais, sofrimento, injustiças, pela desumanização do “leproso”, que se tornou sinônimo de coisa nojenta e xingamento.

Uma analogia possível, guardados os contextos e proporções, é com o uso dos termos “favela” e “comunidade”. Já testemunhei algumas vezes, jovens da favela serem “xingados” de favelado por serem pretos e por um código simbólico de vestuário, gestos e linguagem. Ao passo que pelo inverso desse mesmo código já me percebi em situações favoráveis, gerando o espanto e em seguida a antipatia por me apresentar também como favelado e morador de “comunidade”.

Repetindo mais uma vez o termo, vejo que um dos núcleos está na desumanização do outro e de si. Do outro por parte da população do asfalto que “venceu na vida”, mas não conseguiu a mínima capacidade de refletir sobre essas funções e papéis sociais e pior, gente que mal se formou gente por não saber o que é amor. E desumanização de si quando parte do morro se percebe derrotado, abraçando resignação e apatia com condições indignas de moradia e trabalho, sucumbindo pelo ressentimento ou cansaço.

Nos Evangelhos há o encontro de Jesus com um leproso. As multidões seguiam Jesus porque ele não falava como os escribas e fariseus. “Se quiseres, podes me limpar” foi a palavra do homem, machucado pela doença e pelo estigma, mas com força para se projetar e comparecer. Jesus toca em seu corpo tão humano e tão ferido, vê nele a dignidade de gente. Esse é o movimento em amor possível e necessário, pelo qual situamos nossa dignidade no encontro e inserção na dignidade do outro, um movimento de humanização recíproca.