Crônica: A festa dos ídolos

Crédito: Wassily Kandinsky

Levo a nostalgia da áurea dos antigos ciganos acrobatas para a festa dos ídolos. Quando portais se abrem em frequência inusitada, conforme vibração de seus adoradores.

Levo a certeza da vela acesa a um protetor. Das guias intocáveis, ocultas aos incrédulos. Um rito todo específico para o período dessa jornada. Amuletos espalhados no corpo, que mais parecem adereços disfarçados.

Os nomes das falanges de entidades que me guardam no meu clamor. E um alerta de aviso que acende como luz vermelha à consciência de limites a serem honrados.

Levo numa doleira junto à cintura o que necessito. Há nela duas ampolas para proteção do fígado. Devo ingerir uma hora antes da primeira bebida, já na fila do ônibus, esperando o exaustivo retorno. Um efervescente para alívio do estomago e um antiácido caso as alternativas anteriores falhem.

Uma carteira reduzida à identificação com foto e órgão de emissão, uma grana em espécie, de reserva escondida no fundo, uma breve noção do quanto devo gastar que perco dia após dia. Levo um instrumento que só toco justo e entusiasmado para o deleite dos que acompanham os cortejos já bastante alterados.

E um desejo de sorrir e expressar que recolho durante o ano.

Não há nenhum tipo de erva que, por ventura, mude o paladar e a percepção que trago nos lábios, as histórias das mais diferentes mulheres. Um pouco de suas almas carrego comigo, ardentes, benevolentes, tão sinceras, numa alegria muda, como a quem sabe a sensação de conduzir um estandarte.

Trago o aroma das musas que os poetas tentaram, em vão, que somente os gestos atrevidos de moça podem desvendar. Quando em vez se exprimem, num abocanhar voraz, em semelhança a um animal faminto. Ah… As ruas vazias dos motores que diligenciam as paisagens.

Os prédios suntuosos como que de repente deixam de assustar, agora são apenas projetos de pedras, umas sobre outras, rumo ao altar sem imposição, sem vida. E nem mesmo o consulado estadunidense pode, por hora, causar ódio a esse latino coração.

Mas na reflexão inesperada, ao longínquo subúrbio, transporto também as dores da cidade sitiada. Nas cores das fantasias que nosso Rio insiste em vestir o ano todo, num traje que não disfarça foliões e ambulantes.

É que até os eventos públicos aparenta ter dono. Cai o último véu de alegoria. Trago comigo a segregação de quem pula e quem correr com família, carrinho, fadiga, gelo, bebida. Olha que meus santos devem olhar muito por eles.

Orai aí! Olha que uma cidade assim indiferente, sorve, sulca, espreme do susto ao sopro final.

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