Uma coisa é certa: a Globo sai absolutamente desmoralizada dessa eleição. O escandaloso silêncio sobre a candidatura de Lula, preso e líder das pesquisas, já seria suficiente para tirar qualquer resquício de credibilidade de uma cobertura que omite o principal fato político-eleitoral do país. Mas como se não bastasse, a cobra criada em casa anda mordendo a Globo em pleno horário nobre. Bozonaro e seu raciocínio quadrúpede, jogando na cara da bancada do JN os bilhões que a emissora, uma concessão pública, recebe do Estado brasileiro, e recitando de cor editoriais de Roberto Marinho exaltando a ditadura, deu uma dura na Globo em rede nacional.
Existe uma revolta conservadora no Brasil, em setores importantes da sociedade, no seio do povo, nas pessoas da sala de jantar. Em frações importantes das nossas elites, mas também profundamente enraizada nos setores populares. Uma má digestão social que mistura raiva, frustração, impotência e medo. As pessoas de camisa amarela na Av. Paulista pedindo a volta dos militares. É um conservadorismo violento, que para conservar e retroceder precisa reagir e enfrentar “tudo o que está aí”. A voz rouca da reação está rugindo alto e tem cara própria. Tornou o PSDB, a direita liberal (?) brasileira, totalmente dispensável para boa parte dos eleitores que já lhes confiou o voto. O cartel da política brasileira, nos exemplos de Aécio e Temer, a Globo e a Lava Jato constituíram o núcleo duro do golpe de 2016, que agora se vê atropelado pelo monstro que ajudou a criar.
A lógica do “eu, como contribuinte, pago seu salário”, com que a apresentadora do JN tentou confrontar o “mito”, é a mesma do moleque que humilha professor na escola particular e diz que o pai paga, que vê o Estado como prestador de serviços e não como garantia de direitos, que defende a meritocracia, desconfia da política e prefere a democracia do mínimo esforço, sem sair do sofá. A lógica da Globo é a mesma que criou Bolsonaro e sua legião de fãs. Se merecem. Quem pariu Mateus, que o embale.
Vivemos a eleição mais incerta e instável da história do Brasil, que projeta um ambiente de grandes dificuldades para o próximo governo, seja ele qual for. Há, sem dúvidas, um fortalecimento dos 2 pólos do espectro político brasileiro, à esquerda em torno do Lulismo, e à direita em torno do “mito”. Se tem uma coisa em que os dois lados concordam, ainda que por motivos diferentes, é que não dá pra confiar na Globo. A “hegemonia moral” que a emissora manteve por décadas na sociedade brasileira nunca foi tão questionada. Considerando que hoje a Globo é uma empresa deficitária e endividada, é razoável supor que essa perda de credibilidade levará à perda de anunciantes e da boa vontade dos credores. Depois da derrota política e moral, virá a decadência econômica.
Neste momento, abrir-se-á uma janela de oportunidade para a mídia comunitária, alternativa e contra-hegemônica: disputar o espólio das concessões públicas articuladas nacionalmente em torno da Rede Globo. Em um possível governo de esquerda, esta disputa poderia se dar em condições mais equilibradas para o lado de cá, com a participação do BNDES, de fundos públicos, etc. Do contrário, será uma disputa palmo a palmo. Mas a decadência virá. Bolsonaro no Jornal Nacional nos mostrou que o pior ainda está por vir.