Entrevista: Marcus Galiña
O autor e diretor teatral Marcus Galiña é um ativista da arte, do teatro, da educação e da cidade. À frente da Cia Monte de Gente há quase uma década, dirigiu espetáculos engajados e criou uma ferramenta de dramaturgia coletiva online, o Facedrama. Agora, Marcus dedica-se à coordenação do inovador Ocupa Escola, projeto com a chancela da Secretaria Municipal de Educação que leva arte para o equipamento público que, em muitos lugares, é a única fonte de cultura para a população local: a escola.
A Voz da Favela: Como nasceu o Ocupa Escola?
Marcus Galiña: O Ocupa Escola é uma incidência da sociedade civil na formulação de um projeto-piloto de política pública de integração entre cultura e educação. Potencializa a escola como equipamento público de cultura, aproveitando a infraestrutura já construída para o fomento à cultura em áreas menos favorecidas. Nossa bandeira é a escola pública como centro cultural comunitário, priorizando o artista local, a circulação da produção simbólica da cidade e o protagonismo estudantil. Usamos as ferramentas da articulação civil, da pressão e do diálogo. Agora lutamos para transformar o projeto em uma política pública efetiva. Estamos preparando uma lei para discutir com a sociedade e o poder público.
AVF: Como funciona?
MG: Em 2015, o Ocupa Escola atuou em 11 escolas municipais, indicadas a partir de critérios como ausência de equipamentos culturais no entorno, infraestrutura subutilizada (escolas com teatros e auditórios, por exemplo) e boa receptividade da direção. Um articulador local e um assistente desenvolvem com a comunidade escolar a programação das ocupações, o Grêmio Cultural (que agrega alunos para atuar na construção das ocupações) e o acompanhamento das Residências Artísticas. Em 2016, ampliamos o projeto e agora atuamos em 26 escolas. Cada escola-matriz realiza mensalmente Ocupações Culturais, nos finais de semana, abertas ao público, e também Ocupações Culturais Internas. Durante três horas, as aulas são interrompidas para que os alunos possam usufruir, produzir e protagonizar uma programação artística variada. Nossa bandeira também é a inserção da arte e da cultura na rotina da escola, não como aula (que também é fundamental), mas como fruição da produção da cidade e dos próprios alunos.
AVF: O que o Ocupa Escola pode trazer de benefício para as comunidades do entorno das escolas contempladas?
MG: A arte é a mais subestimada das tecnologias. Vivemos em um mundo onde o termo ”tecnologia” parece sequestrado pelas novidades das máquinas. Observem a capoeira: é uma tecnologia, um aplicativo, um método educacional. E está em todos os lugares, afetando a vida de muita gente. Arte e cultura são potentes tecnologias. Impactam as relações, a motivação, o engajamento, o diálogo, fortalecendo uma cultura mais colaborativa e harmônica, um enfrentamento mais suave dos dilemas comunitários. Triste é uma sociedade que precisa provar isso em números. Hoje, no segundo ano do projeto, o que mais temos é a certeza destes benefícios. Temos muito a aprender e a aperfeiçoar, mas estamos confiantes a partir de resultados concretos. O Rio de Janeiro precisa de mais cultura e menos caveirões! Cultura e arte significam saúde, lazer, desenvolvimento, segurança e educação.
AVF: Como o Ocupa Escola une os eixos educação, cultura e arte na formação destes alunos?
MG: Criar uma rotina de ações culturais na escola, envolvendo artistas, aproximando as famílias, desenvolvendo espaços de diálogo, é favorecer o protagonismo do jovem. É incrível ver a segurança com que eles ocupam os palcos do Ocupa Escola! É uma juventude sagaz, antenada, bem-humorada, expressiva, altiva, segura de si, que precisa de espaço para se expressar e dar vazão a sua força.
Nossa bandeira é a escola pública como centro cultural comunitário, priorizando o artista local, a circulação da produção simbólica da cidade e o protagonismo estudantil.
AVF: De que maneira a educação e a cultura podem atuar nas políticas para a juventude?
MG: Cultura e educação são as políticas prioritárias para enfrentar os dilemas das cidades. Precisamos colocar a arte e a cultura como o novo eixo de um novo urbanismo, que fortaleça dois pontos: a escola e a rua como espaços de troca e circulação simbólica. É preciso ter uma visão que considere o todo da cidade e incida em cada espaço. Essa é a revolução urbana que precisamos: menos obras de concreto e mais obras de afeto! Escola e rua são o palco da juventude, que precisa disso: espaços de protagonismo, expressão, lazer e fruição. Precisamos avançar, e muito, em termos de escala e investimento. A cultura não pode ser vista como cereja do bolo, mas como o fermento. Diante da agonia do projeto da UPPs, parece provado que o investimento maciço na segurança apenas tornou a sociedade mais violenta e repressiva para a juventude popular de nossa cidade. Sabemos o quão incrível é o potencial dos jovens. Temos que apostar todas as nossas fichas neles. Vejam o exemplo da molecada que ocupou as escolas estaduais. Participei de um debate com dois deles e fiquei impressionado em ver como o processo de ocupação foi transformador para eles, como são articulados, bons de retórica, cientes, seguros e que estão muito mais conscientes de seus direitos e de seu protagonismo.
AVF: Estamos em um momento político conturbado, em que as ocupações são, mais que nunca, um símbolo da resistência democrática. Como o Ocupa Escola se inscreve neste panorama?
MG: O Ocupa Escola é filho de movimentos sociais da cultura: o Reage Artista!, como rede de articulação e formulação, e o Ocupa Lapa, como fonte de inspiração metodológica. O Ocupa Lapa, em junho de 2013, foi pioneiro neste formato. Agora o Reage, Artista! está envolvido na resistência antigolpista no Ocupa MinC RJ. Vejam o impacto do que tem sido realizado no Palácio Capanema, há anos oculto da vida cultural na cidade, e no Canecão, fechado há oito anos! Ocupar é resistir, construir e inventar metodologias. Fizemos, no Ocupa Escola, uma transição importante: trouxemos a metodologia da rua para o coração do poder público, apostando numa gestão compartilhada, aprendendo bastante, sofrendo com a burocracia, mas também conhecendo mais profundamente os desafios de quem atua dentro desta estrutura, que precisa se renovar, mas que também tem experiências bem-sucedidas e profissionais comprometidos. É uma luta incessante. O orçamento público nos pertence. Precisamos lutar para direcioná-lo melhor.
ANF: Qual é o próximo passo do Ocupa Escola?
MG: Teremos, de setembro a dezembro, 165 ocupações culturais acontecendo em 25 escolas, distribuídas em 11 bairros e favelas: Santa Cruz, Campo Grande, Bangu, Ricardo de Albuquerque, Vargem Pequena, Vila Kosmos, Manguinhos, Maré, Pilares, Vila Isabel e Morro dos Prazeres. Teremos também 11 coletivos artísticos em 26 escolas, realizando ensaios e processos criativos e desenvolvendo uma prática artística-educacional. São novos espaços culturais na cidade para a juventude popular, abertos aos artistas locais, alunos, comunidades. Em dezembro, realizaremos o 2º Festival de Encontros Ocupa Escola. São três dias de seminário, encontro de alunos e a ocupação artística de um parque público da cidade. É um momento de celebrar as realizações do ano e refletir sobre nossas práticas.
Publicado na edição de Setembro de 2016 do Jornal A Voz da Favela.