Quem passou dos 40 anos, como eu (na verdade, estou à beira dos 50), e viveu os anos 1980 e 1990 no Rio de Janeiro, não tem como não ter dançando, ao menos uma vez, ao som de um funk.

Apesar de muitos pseudointelectuais torcerem o nariz ao ouvir falar do ritmo, hoje, o funk é uma das maiores expressões culturais das periferias e favelas – e virou uma verdadeira indústria. Da “Dança da Bundinha” ao “Baile de Favela”, da dança do aleijadinho ao passinho, muita água rolou. Hoje, a cultura funk movimenta milhões de reais anualmente e alimenta uma cadeia de produção que não para de crescer. De Lady Zu a MC Bin Laden, existe uma geração de artistas, MCs e dançarinos que batalharam pesado para que o funk chegasse ao atual patamar, e é isso que nos conta o fundador da Agência de Notícias das Favelas e agora cineasta André Fernandes numa trilogia que começou muito bem com o curta documentário Eu só quero é ser feliz – uma breve história do funk.

Numa narrativa ágil e muito agradável, o filme traz o depoimento de vários MCs e DJs que impulsionaram e fizeram a história desse ritmo que hoje é movimento cultural. Lembro dos tempos quando eu era funkeiro, no início dos anos 1990, e da ansiedade para que chegasse logo o fim de semana – era a hora de curtir um baile na favela. Como morador da Zona Sul, não havia muitos clubes que abriam suas portas para a realização de bailes. No clube do Botafogo, na praia que leva o mesmo nome, acontecia o Baile do Manequinho. A gente curtia também o Baile da Associação, que rolava na sede da Associação dos Servidores Civis do Brasil. Ainda não existia o Funk Brasil, mas a animação e a alegria já eram imensas.

Como havia muitas brigas e conflitos de turmas e galeras rivais, os bailes da Zona Sul foram acabando. A quem realmente gostava só restava ir para as favelas curtir um bom baile e não se intimidar em arriscar a própria vida. Quantas vezes não vi um baile ser interrompido pela PM, que já chegava no morro atirando nas caixas de som? Ou, como certa vez no Andaraí, numa noite em que a facção rival tentou invadir a favela bem na hora do baile, mas foi posta pra correr na base da bala e ainda com o som rolando?

Muitas pessoas do asfalto subiram uma favela pela primeira vez na vida para ir a um baile funk. Outras não queriam nem descer mais. Como explicar isso? A gente tinha até um roteiro mensal, que era mais ou menos assim: às sextas, Baile da Cash Box na Mangueira ou Pipos no Serra Coral, aos sábados, Baile da Furacão 2000 na Babilônia  ou Cash Box no Morro Azul, aos domingos, Baile no Clube Emoções da Rocinha ou no Chapéu Mangueira.

Na semana seguinte, a gente mudava o roteiro, mas o baile escolhido ficava sempre numa favela. Ao contrário de hoje, em que as pessoas exaltam os cantores e MCs, nós exaltávamos as equipes: Cash Box, Furacão 2000, Pipos,  Curtisom Rio e tantas outras. Eram tempos mais ingênuos e pueris. A galera ia mesmo e mal sabia que estava criando um movimento que duraria para sempre.

Eu só quero é ser feliz – uma breve história do funk trata muito disso. Não tem como não se emocionar em ver as cenas antigas dos bailes, com aquela juventude negra toda pulando, dançando e se divertindo. É claro que havia o lado violento, em que galeras de determinados locais, inspiradas por filmes que retratavam a luta entre gangues norte-americanas, ficavam se digladiando nos bailes. Algumas mortes acabaram ocorrendo. Mas isso não chegou a comprometer a linda história do funk carioca, que agora revela estrelas da música como Anitta, Nego do Borel, Mr. Catra e Ludmilla.

Recomendo muito o filme do André Fernandes para os amantes e curiosos do funk carioca. Não vão se arrepender!