A nossa música sempre foi marcada por grandes compositores e músicos negros. Desde o início do século XX, ela já era conhecida em terras europeias e norte americana. Pixinguinha talvez tenha sido o primeiro artista negro e de periferia brasileiro que faria sucesso internacional.
De lá pra cá, muita água rolou. Gilberto Gil, Djavan, Cartola, Jackson do Pandeiro, Luís Melodia, Milton Nascimento, Arlindo Cruz, Itamar Assunção, Paulinho da Viola, Chico Science, Martinho da Vila e tantos outros grandes nomes da música popular brasileira encantaram e encantam até hoje com suas canções inesquecíveis.
Porém, de uns tempos pra cá, grande parte da juventude negra não se contenta em apenas ouvir a cantar sobre sua beleza. Black is beautiful (“Negro é lindo”), mas somos muito mais que isso. O que essa juventude quer também é denunciar as injustiças e as mazelas sociais que vivemos desde quando viemos para cá para sermos escravizados. É por isso que artistas como Karol Conká, Emicida, Dream Team do Passinho, Tássia Reis e outros têm atraído cada vez mais jovens, negros ou não, com suas letras que também falam de machismo, homofobia e outros tipos de preconceito. Eles fazem um chamado a reflexão e resistência política.
Sexta, tive a alegria de ir ao Circo Voador numa noite em que fiquei surpreso com a quantidade de pessoas negras presentes. Vi mulheres e homens negros de todas as idades – alguns bem jovens, com 18, 19 anos e muitos, que entravam no Circo Voador pela primeira vez. Eles vinham com energia espantosa, afinal, era a primeira vez que tanto Baco Exu do Blues como Rincon Sapiência se apresentariam na casa noturna mais famosa da Lapa.
Já passava da meia noite quando Baco entrou e sacudiu a massa com o sucesso “Abre os Caminhos”. Ele, um jovem rapper baiano de 21 anos nascido em Salvador, fez uma apresentação arrebatadora. Apesar de ter lançado seu disco Esú no final de setembro, o público que lotou o Circo cantou com ele durante todo o show. O que me chamou atenção é que suas letras fazem muitas referências à cultura yorubá. É um sinal de resistência nesses tempos em que terreiros de candomblé e umbanda têm sido perseguidos e destruídos por fanáticos.
Porém, ainda tinha mais um show para fechar a noite com chave de ouro. Pode-se dizer que Rincon Sapiência é um fenômeno atual da cena musical. Em menos de um mês, o cantor paulista esteve no Rio de Janeiro nada menos que quatro vezes.
Rap e hip hop, quando acompanhados por banda, além de DJ, é uma coisa espetacular. Junte isso às letras e ao swing do Sapiência e o resultado não poderia ser diferente. Ele dominou o palco e a plateia já na segunda música. As letras são recheadas de referências e que denunciam o sistema e dão a tônica do show desse artista que, pelo jeito, já, já estará no mesmo patamar de artistas como BNegão, Emicida, Criolo e Baiana System.
É a música preta e de periferia mais forte que nunca!