O momento é de rememorar a união entre os povos, da paz que a chama olímpica traz e uma série de nomenclaturas que esse enclave mundial entona. As Olimpíadas e o seu espírito são o desejo das nações, Estados e municípios. Mas falar da favela é algo de muita urgência e necessidade, ainda mais num momento como esse, onde os olhos do mundo estão voltados para a nossa Cidade Maravilhosa. Sonhei com esse texto e utopicamente como seria a chegada desse dia tão distante de cada um de nós, de um desejo latente de cada morador, e esse é o melhor momento de falarmos desse contexto: queremos paz, necessitamos de paz para ter as mínimas condições de sobrevivência. É uma uma urgência definitiva.

A cidade do Rio de Janeiro é palco de um dos maiores eventos mundiais, cuja pauta principal é a propagação da paz – justamente essa paz que tanto queremos e pela qual esperamos tão ansiosamente. Vemos várias pessoas de inúmeros cantos do mundo, felizes e alegres neste momento, acreditando que está tudo em perfeita harmonia. A propaganda da TV transmite a ideia de um mundo novo. Os atletas estão sorridentes, preocupando-se unicamente com a conquista da suas medalhas; os senhores patrocinadores lucrando cifras colossais, os políticos esquecidos. Quem está em currais turísticos sente-se seguro e em gozo de plena paz momentânea. Enquanto isso, o resto da cidade sofre as mais duras penas sendo subtraído dessa festa que prega a união dos povos.

A nossa favela, o Complexo do Alemão, dentro deste contexto olímpico, foi excluído. Nos falta a paz. Temos vivido tiroteios diários e de forma covarde fomos deixados literalmente à margem desta sociedade racista e preconceituosa – e só por este motivo fomos excluídos da grande festa. Pregam a paz na televisão, mas nos roubam o direito de gozá-la.

 

Assim foi o que sonhei: a paz chegará

Chegará o dia em que iremos abrir as nossas portas e iremos nos deparar com a paz.
Num desejo incansável e implacável de sermos agraciados pela tão sonhada paz, vivemos todos os dias esperando-a, desejosos de que, a cada manha, ao sairmos para trabalhar, iremos ter o privilégio de vê-la à nossa porta e dizer: “Demorei, mas cheguei”. Será um dia como nenhum outro aqui.

Sairemos ao seu encontro e a abraçaremos. Será um abraço muito forte e duradouro. De maneira imediata, a convidaremos para entrar e ficar em nossas casas. Teremos muitas coisas para conversar, falar dos momentos em que ela esteve ausente daqui, de quantas pessoas morreram esperando-a e que nunca puderam viver a oportunidade que estamos tendo hoje.

Na nossa conversa, falarei de cada um, de cada momento e circunstância. Teremos horas de relatos e, talvez, faremos muitas cobranças sobre o porquê de tanta demora, sobre por onde tinha andando durante todo esse tempo, do por que ter passado por tantos lugares e ter nos esquecido aqui.

Quem a proibiu de vir e ficar aqui conosco? Será que foi ludibriada por pessoas gananciosas e tendenciosas, que haviam lhe dito que aqui não era lugar para ela? Não sabemos o que houve, e isso não mais interessará, pois o que mais importa será o fato de que estará aqui agora. Vamos sair de casa em casa, falando nos becos e vielas que ela está aqui. Sairemos pelos locais comemorando, falando da novidade, gritando em alto e bom som: “A paz está aqui, ela veio para ficar conosco”. Faremos festas de alegria, espalharemos para todos. Será um dia como nenhum outro antes vivido por cada morador.

Esse relato é um anseio que transpassa às nossas almas. Todas as nossas lágrimas tem sido na maior e incansável necessidade de ter conosco a paz. Todos os nossos dias são consumidos e seguimos sem encontrá-la. Este aqui é o reflexo do sonho diário de cada morador de favela. Dormimos e nos levantamos a cada manha esperançosos de que isso um dia aconteça. Queremos a paz, merecemos a paz.

Aproveitando essa oportunidade única, pedimos de forma urgente: Senhora Paz, venha logo ficar conosco.