Poeta das ruas, Miró se destaca por suas performances e intervenções urbanas em um Recife rodeado por sacos de cimento e coração concreto
Reportagem para o jornal A Voz da Favela de novembro de 2019
“Eu jogava bola. Driblava a vida sem saber que a vida existia”. Pode parecer improvável, mas a relação de Miró da Muribeca com a poesia teve início a partir de uma pelada de fim tarde em Santo Amaro, Zona Central do Recife. Morador do bairro na infância, Miró observava os garotos da rua jogarem bola na expectativa de ter uma chance no time dos “meninos da classe média”. A oportunidade veio no dia em que um deles se machucou e Miró entrou em campo, fez três gols e não saiu mais do time. Foi nele que conheceu o amigo Maurício Silva, que o presenteou com um livro e incentivou o poeta a dar os primeiros passos na escrita. Por isso, Miró atribui a ele a responsabilidade por ter se tornado poeta.
De origem periférica, Miró tem nas ruas sua principal fonte de inspiração. Seus poemas tratam de fatos invisíveis do cotidiano: violência, desigualdade, melancolia e tudo o mais que faça parte do cotidiano das ruas de uma cidade onde a maioria das pessoas caminha sem perceber o que acontece ao lado. “Minha poesia é visceral. Sou um poeta da rua e escrevo sobre a neurose urbana e sobre esse momento de solidão coletiva que estamos passando”, afirma Miró.
Preto e pobre, o poeta se orgulha do seu trabalho e por viver de poesia em um país onde quase ninguém lê. Passou por grandes e pequenas cidades rodando o Brasil com sua obra, levando provocações que a poesia marginal é capaz de suscitar. Esteve em lugares que vão desde mesa de bar à salas de universidades. “Minha poesia é para todo mundo. Do gari ao engenheiro entendem. Ela é sensibilidade do coração humano, quando eu digo ‘Deus é grande e o diabo tem um metro e oitenta’ todo mundo entende”, comenta o poeta. Aos 59 anos de idade e com 12 livros publicados, Miró se prepara para mais um desafio na sua carreira de 35 anos de poesia. Em novembro, ele lança uma publicação voltada para o público infantil, “Atchim”. O livro é definido pelo poeta como a viagem de um menino que busca respostas para “perguntas indigestas”.