Como é bom ver o futebol no seu papel essencial de catalisador dos anseios e das vontades nacionais, ainda que isto seja a utopia máxima da “pátria em chuteiras”, como se dizia a partir de 1958 e até a ditadura militar. Fazia anos os brasileiros não vestiam a camisa amarela para externar seu amor ao futebol e à seleção brasileira. Amarelo tinha virado símbolo da direita. Na hipotética arquibancada, havia camisas amarelas, azuis, brancas e até vermelhas, mostrando a divisão da torcida entre direitas e esquerdas (não são apenas dois os grupos antagônicos).
Se novos ventos sopram entre torcedores, “dentro das quatro linhas”, usando expressão da hora, a coisa também avança. O artilheiro Richarlison, autor dos dois gols do Brasil até agora na Copa, é exemplo: em entrevista em 2020, quando estava na seleção, ele afirmou: “Quando tiver uma causa importante eu sempre vou botar a cara, ainda mais jogando na seleção e na Inglaterra. Eu tenho essa visibilidade e sei que as autoridades olharão com carinho”. Richarlison disse que se posiciona porque “as pessoas de onde eu venho não têm voz nem vez” (ele vem do interior capixaba).
Quando o jornalista britânico Dom Phillips e o indigenista brasileiro Bruno Pereira desapareceram na Amazônia, Richarlison pronunciou-se nas redes sociais: “Peço às autoridades, por favor, que atuem com urgência e façam todo o possível para encontrarmos Dom Phillips e Bruno Pereira!”.
No plano externo o futebol também baliza opiniões, apesar da superestrutura da FIFA, que só quer saber do lucro e da paz de cemitério entre suas confederações. Não importa se a Ucrânia e a Rússia se matam diariamente desde fevereiro deste ano, ninguém pode falar sobre a política que causou o conflito.
Vale lembrar que manifestações conservadoras no mundo do esporte sempre foram bem recebidas, desde Pelé até Felipe Melo, Scolari, Renato Portalupi, e se estende à resenha esportiva onde não são bem vindos José Trajano, Walter Casagrande, Juninho Pernambucano e mesmo o sérvio Petcovic. Nos microfones também não se promove a esquerda, seus valores, suas conquistas.
O negócio da FIFA é bola na rede e dinheiro no cofre, mas a complexidade da vida contemporânea vem impondo sucessivas transformações na entidade máxima do futebol mundial. Agora mesmo ela negocia com a Federação do Qatar a liberação do arco-íris gay em adereços usados nos estádios. Curioso é que a FIFA tinha liberado o mesmo símbolo na braçadeira de capitão de seleção, mas teve de voltar atrás, porque o rei não aprova diversidade sexual – nem álcool.
Ao que parece, os tempos de Afonsinho, Paulo César Caju, Sócrates ficarão na história como época de pioneiros da liberdade de expressão dos atletas – e não apenas de futebol. Richarlison, Vinícius Jr e o grupo que vem aí aprendeu em casa, na criação e na pele, nas periferias, na dureza, na violência policial – enfim, na luta pelos direitos humanos tão necessários neste país das desigualdades sociais.
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