A questão venezuelana

A decisão dos vizinhos sul-americanos de não intervir no território venezuelano tomada na segunda-feira em Bogotá, na reunião do Grupo de Lima, é a evidência mais contundente de que o governo de Nicolas Maduro não é a “galinha morta” como apregoa a mídia controlada ou inspirada pelos Estados Unidos, inclusive a inglesa e parte da europeia continental. No Brasil, a escusa é a tradição da nossa diplomacia de não intervenção em território alheio, à qual agregou-se também a tradição militar graças à figura do vice-presidente general Hamilton Mourão, que reduziu o chanceler a uma figura decorativa cujo nome me foge no momento, mas tem grande relevância junto ao clã Bolsonaro por ser indicação direta de Olavo de Carvalho, pessoa nefasta que vive nos Estados Unidos.

Além disso, Maduro tem apoio das forças armadas nacionais, da maioria do povo e da Rússia, o que não é brincadeira. Muito da prudência brasileira, apesar da pressão de Trump, que também não é brinquedo, está baseada nas informações militares que são do absoluto e total desconhecimento dos pobres civis brasileiros. Uma possível invasão da Venezuela custaria um dinheiro incalculável, um esforço de guerra inédito e um prejuízo político internacional previsível. Esta avaliação não entra no mérito da guerra em si, uma incógnita para um país que não se mete em conflito internacional para valer desde a Guerra do Paraguai, em meados do século XIX, quando o exército afinal ganhou o protagonismo que lhe rendeu o status preservado até os nossos dias.

Só para registro, o imperador D. Pedro II nunca levou a sério nosso exército, até a guerra e a grande figura do general Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, que logrou não só a vitória como forjou a base dos privilégios da caserna. Foi somente a partir de 1870, como coroamento do esforço bélico, que a farda passou a merecer profundo respeito e prestígio; aliás, tanto que 19 anos depois proclamou a república, em parceria com os senhores de escravos economicamente prejudicados pela abolição do ano anterior. Infelizmente, ali inaugurou-se também o feio hábito militar de intervir na política, desprezar constituições, arrepiar direitos da cidadania.

Não é pequeno, portanto, o risco de nosso exército protagonizar um vexame internacional como o que viveu a Argentina, em 1982, quando levou uma surra da Inglaterra por causa das ilhas Malvinas, ou Falklands. O presidente do país era o general Leopoldo Galtieri, o último do ciclo ditatorial iniciado em 1976 com Jorge Rafael Videla. Caiu por diversas razões, mas uma das mais marcantes foi, sem dúvida, a aventura bélica fracassada. Já pensou se nosso exército sofre revés semelhante na fronteira venezuelana só para tentar agradar o Trump querido e admirado pelo capitão Bolsonaro e seus miquinhos amestrados?

Por esta razão, quem fala pelo Brasil é o general Mourão, ex-adido militar em Caracas em 2002, à época que os Estados Unidos patrocinaram a frustrada derrubada de Hugo Chavez do poder. Bem ao contrário de todos os Bolsonaros, do chanceler de brinquedo e de seu mentor astrólogo, o general vice-presidente percebe o alcance da aventura para a qual nos alicia o presidente dos Estados Unidos. Por sorte, os países em volta também concordam a solução não intervencionista. Mas Trump não desistiu da guerra e quer que a ONU aceite a invasão e acuse Nicolás Maduro de crime contra a humanidade. Razão tem mesmo o Maradona, ao sustentar que a Venezuela tem um presidente maduro e os Estados Unidos um podre.