Dentro do ônibus deve-se “falar ao motorista somente o indispensável”, mas dentro de uma barbearia, conduzo nossa conversa. Deivisson Muniz, 39 anos, morador de Manguinhos, contou-me sobre a experiência como motorista, que começou por volta de 2005 dirigindo em lotada. Quando foi trabalhar na Empresa Nossa Senhora de Lourdes, uma das poucas empresas que qualificam o profissional antes de enfrentar o desafio de conduzir a população, como o próprio contou-me. Ele sentiu inicialmente a diferença de trabalhar com dupla função, cobrar passagem/dirigir, porque quando dirigia no transporte alternativo tinha cobrador, o que facilitava a viagem, porque não precisava parar pra receber e passar troco. Percebo que seu tom de voz muda quando fala sobre o desrespeito ao motorista por parte da população, que xinga, grita, mas que ele muitas vezes tinha que ser robótico pra lidar com o estresse do dia a dia, porque as empresas não preparam os profissionais pra enfrentar esse tipo de situação. Se a hora de entrada é definida, a saída nem tanto assim, pra quem enfrentou engarrafamento e já ficou preso no trânsito por conta da violência em áreas de conflitos, como quando dirigia na linha 313 – Penha/Praça da República.
E como os passageiros que ficam presos no engarrafamento fazem pra não chegar atrasados naquele compromisso marcado? quem responde a essa pergunta é Marcos Vinícius Melo da Silva, 33 anos, mora em Manguinhos, conhecido como VK. Ele trabalhou por mais de 10 anos como moto-táxi, que facilitava a locomoção em meio ao trânsito caótico da cidade do Rio de Janeiro por conta da agilidade, por levar o passageiro em locais onde as conduções não vão, diz. VK trabalhava na profissão pra garantir uma renda extra, tinha emprego fixo como Eletricista, depois de ter sido Auxiliar de Serviços Gerais, ajudante de Elétrica, passou numa prova com mais oito candidatos e conta com alegria que conseguiu comprar uma casa com o dinheiro que ganhava conduzindo passageiros. “Quando o apartamento pegou fogo, a grana do moto-táxi ajudou a me estabilizar”, disse. Mas não era só levando pessoas que ele contabilizava, trabalhava como freelancer entregando documentos e produtos para empresas, quando as mesmas precisavam de uma entrega em outro ponto da cidade que não chegaria a tempo se não fosse pelo moto-táxi, contou-me. “Morava de aluguel e tinha filho pequeno, com um salário só é difícil sobreviver.” Os dias de chuva eram os mais difíceis que enfrentava, porque o movimento diminui e as enchentes que assolam a população carioca já o deixaram sem poder se locomover, por locais que o nível da água só permitia aos ônibus passarem.
Quando pergunto sobre a rotina do condutor de moto, ele conta que todo moto-táxi tem uma história de acidente pra contar, porque o descuido ou a malícia de outros condutores podem provocar um desastre. Relata que a melhoria do ponto onde ficavam era custeio coletivo, através de uma caixinha que mantinham pra comprar uma TV, bebedouro, teto pra abrigá-los e passageiros que esperavam a chuva cessar. As datas comemorativas eram os dias que fluíam mais pessoas, mas o fim do mês, quando os trabalhadores começam a segurar mais o dinheiro era mais difícil porque o ritmo diminuía, diz.
25 de Julho, dia do motorista.
O Decreto nº 63.461, de 21 de outubro de 1968, em plena ditadura militar, oficializou a data em homenagem aos trabalhadores que transportam mercadorias ou pessoas pelo país. Nesse dia as cooperativas de motoristas dos estados se mobilizam em campanhas de conscientização, de uma profissão que enfrenta o desafio da falta de valorização, benefícios e com o número significativamente reduzido de cobradores, a maioria trabalha exercendo dupla função, mesmo sem receber a mais por isso.
Aumento das passagens e melhoria do transporte.
Após sofrer um reajuste de aproximadamente 11%, a passagem aumentou de R$ 3,60 para R$ 3,95, após decreto do Prefeito Marcelo Crivella. Depois do preço oscilar no ano, chegando a custar R$ 3,40, Crivella disse que “seguirá um cronograma sagrado para colocação de ar condicionado em toda frota”, acordo não cumprindo pelas empresas no aumento da gestão do Ex-Prefeito Eduardo Paes, quando a promessa foi de pelo menos 70% dos ônibus funcionando com ar condicionado.
Pelo decreto assinado no dia 1º de junho, a climatização dos 7,2 mil ônibus que compõem a frota e operação deverão seguir o cronograma até 2020 com 100% dos ônibus climatizados. A gestão municipal complementou que as empresas doarão 7 milhões para a melhoria das vias.
O que todos precisam entender é que nós estamos há um ano e meio sem reajuste. E ainda assim, nós temos uma das passagens mais baratas da região. Em São Paulo, por exemplo, há um subsídio de R$ 3 bilhões, a população coloca esse valor para que a passagem, que seria de R$ 6,66 fique em torno de R$ 4,00. Pelos nossos estudos, a fórmula paramétrica apontava para uma tarifa de R$ 4,05 e nós conseguimos negociar e reduzir para R$ 3,95″, disse Crivella.
Descaso no transporte público
Quem nunca entrou num ônibus com assento fora do lugar ou com pichações? a má qualidade do serviço é resultado do abandono das empresas, a decadência do transporte vem aumentando, mesmo com o aumento das passagens. Pior é enfrentar o calor da cidade carioca em ônibus lotados sem ar condicionado, onde os próprios motoristas reclamam das condições de trabalho.
- Matéria publicada no mês de Julho no Jornal A Voz da Favela