Existe um sopro que sopra onde quer. Seja nos apartamentos luxuosos ou nas Favelas. Um vento que procura adoradores que o amem em espírito e em verdade. Afinal de contas Deus não é domesticado e patenteável. Além disso, como afirmou um estudioso da Religião: “Querer manipular o Sagrado é magia”. É ele quem nos conduz nesse vale escuro.

Os moradores  da favela são personagens dessa grande aldeia que se perde pela ausência do poder público. A ideia de alguém que cuida de nós é consoladora. Encontro também nas favelas gente com este anseio por um sopro na face. Existem personagens que clamam por sentido de ser. Seja a mãe que chora a morte do seu filho, o menino que faz uma oração antes de ir à escola ou a menina que se ajoelha se reportando ao seu Deus, pedindo  proteção antes de sair às ruas. Independentemente de classe social, eu considero que existe algo no coração do homem que  anela pelo Sagrado.

E, é este sentimento que não deixa a mãe que perdeu o filho esmorecer, nem o menino tropeçar  e nem a menina se paralisar dentro do seu quarto. É somente uma coisa: a fé que a conduz ao sentido de ser. O nosso pequeno ser querendo se relacionar com o Ser. Chame como quiser chamá-Lo. Deus é apenas um nome para Deus. Nesse caminho,  temos a fé que nos toma pela mão, pois é fruto dele. A religião cumpre o seu papel nessa história toda. Mesmo não concordando com várias posturas religiosas, devo lembrar-me que Deus é Amor, e este amor deve ser pautado pelo respeito e tolerância ao modo de pensar do outro.

O diálogo interreligioso deve sempre prevalecer.  Há religiões que são gaiolas, como afirmou Rubem Alves. Devo admitir. No entanto,  existe uma  religião que não somente nos liga ao Sagrado, mas se personifica em nós e nos potencializa. Ela nos conduz no meio de toda dor e sofrimento transformando nosso pranto em dança. A poeta mineira, Adélia Prado afirmou: “Eu  acho que o homem é religioso como é bípede. Tem Deus no começo e no fim”. Considero que Deus é o primeiro-motor  que move todas as coisas. Ele não somente apertou o interruptor, mas o criou. E sendo assim, a fé é fio condutor que nos leva até a presença d’Ele.

Seja o morador de Favela ou o morador da Zona Sul, acredito que haja um sentimento religioso em ambos. Ou se ainda não há… ainda haverá. Gosto de uma frase do filósofo Blaise Pascal, que diz mais ou menos assim: na fome, na dor e na morte todos se igualam. Ou seja, quando a marimba está prestes a arrebentar, até o ateu vira um piedoso aos pés do Sagrado. Gosto do título de um livro: Deus Não Existe! …eu Rezo Para Ele Todos os Dias: Uma Releitura do Pai-nosso – Jean-yves Leloup. É um modo de dizer, no final de tudo… eu quero crer! Quero poder acreditar que alguém Superior na esfera do Sagrado me Ama. Aliás, não existe ninguém mais religioso do que o ateu. Tem toda a sua contra argumentação contra Deus organizada. Mas isso dá uma outra crônica.

Era noite e ouvia meu pai cantando os versos de Herivelto Martins:

“Lá não existe felicidade de arranha-céu, pois quem mora lá no morro,  já vive pertinho do céu”. Ele me dizia que esses versos tinham todo um sentido no Morro onde ele nasceu. Existe uma felicidade que não se pode explicar dentro do campo da ciência. É metafísica. Além daquilo que podemos ver ou tocar, mas podemos sentir. A felicidade que não se compra nas vitrines dos shoppings luxuosos. A felicidade à qual me refiro é do “preservador da vida em movimento” (Drummond).

A felicidade que independente das lutas do dia a dia, não paralisa o sujeito no seu território.  Mas o impulsiona, pois este mesmo sujeito tem a fé necessária para vencer barreiras  e basta uma fé do tamanho de um grão de mostarda. “Andá com fé eu vou, que a fé não costuma faiá”, a bela letra do Gilberto Gil retrata bem isso. Na noite escura da Alma existe um sendeiro que nos ilumina. Uma claridão em dias que parecem noites sem fim. A religião que nos liga ao outro e nos faz seres humanos melhores. Mas nos faz seres melhores somente porque entendemos que só somos porque Ele é em nós. Essa é a mistura que faz toda a diferença: fé em Deus e pé na tábua!

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Ronaldo Ferreira de Almeida
Ronaldo Ferreira de Almeida nasceu em Niterói e mora em São Gonçalo. É poeta e escritor. Tem uma forte identificação com a favela, pois seus pais nasceram em uma das Favelas cariocas (Pavão-Pavãozinho). Ele trabalhou durante anos dentro do complexo do Salgueiro (Bairro das Palmeiras-SG) implantando diversos projetos sociais. É um apaixonado pela vida, a despeito de toda desigualdade social, acredita que dias melhores virão; através de força, foco e fé. Ele acredita que a escrita é um agente motivador de ação para mudar o status quo social.