Uma das plataformas de streaming mais famosas e usadas pelos internautas está exibindo uma série que conta a história da Família Real Inglesa. O folhetim conta a cada episódio fatos e acontecimentos da família mais famosa do mundo que ficaram e ainda estão por trás dos muros altos que cercam o Castelo de Windsor e do Palácio de Buckingham, na Inglaterra.
Mas por que falar sobre a Realeza Britânica, se nada relacionado a ela tem a ver conosco aqui no Brasil? É aí que nos enganamos, pois, além de ser a família mais observada do planeta, em séculos passados, ela contribuiu para colonização do nosso país. Escravizou negros africanos, disseminou seu idioma, seus costumes e sua crença religiosa por todos os continentes. E ainda nos passa a imagem de ser uma família tradicional, um exemplo a ser seguido por todos nós, reles mortais.
Não quero aqui dar spoiler da série, mas sim, fazer uma simples comparação com o nosso cotidiano e trazer uma reflexão do quanto tudo que vemos na mídia cai por terra, ao vermos pessoas que vivem dilemas familiares como qualquer ser humano. Mas, é claro, conflitos que não podem ser mostrados para não quebrar a magia do conto de fadas que há entorno dos reis, rainhas, príncipes, princesas, e todos o títulos de nobreza que vivem no reino do faz de contas.
Todos nós, desde o nascimento, crescemos ouvindo histórias fabulosas de reinos, e de contos em que as princesas são meninas lindas, meigas, dóceis e frágeis, que estão sempre em perigo e são salvas por príncipes, que são homens belíssimos, altos e fortes. E que depois deles passarem por várias turbulências em suas vidas, se casam e vivem felizes para sempre, com uma família formada por um ou no máximo dois filhos. Ou para ficar mais poético, um casal de herdeiros. Um verdadeiro sonho para a maioria das mocinhas que crescem acreditando que um dia ela terá também a mesma sorte.
Qual de nós não ficou comovido ao ler ou assistir histórias de reis e rainhas, que sofrem diversas tentativas de golpes de malfeitores, cujo, a única intenção deles era destronar as vossas majestades, e ficar com todo ouro dos castelos? Quem não se encantava com soberanas caridosas e amáveis ou com soberanos enérgicos e generosos, que só pensavam em proteger seu povo? E como achávamos lindo a submissão dos súditos, que viam os seus superiores como verdadeiros deuses, acima do bem e do mal. Seres humanos sem pecados e totalmente puros de alma e coração, e por esse motivo foram escolhidos por Deus para administrarem terras extensas para assim ampliá-las cada vez mais a perder de vista.
Tudo isso não passa de histórias que estão impressas nos livros e nas imagens das telas cinematográficas e televisivas. A Rainha não é uma mulher tão caridosa e muito menos o Rei, seu pai, foi um homem tão generoso, que só pensava no bem estar de seu povo. É só olharmos pela quantidade de terras invadidas por eles e colonizadas.
A Soberana é uma mulher comum, que vive os dilemas de todas nós, como traições, chegando a fazer vista grossa para preservar seu casamento. É submissa ao marido e aos outros homens que a cercam, pois, eles são seus conselheiros, que a ajudam a formar suas opiniões e escrevem seus discursos, só fala o que é dito por eles. E tem que pôr a família em primeiro lugar, e só pensar si mesma por último. Ela é chefe, mas, como é casada, sofre com frustrações e aguenta calada muitos desaforos, afinal, ela é uma mulher. E o mais incrível de tudo é que a Rainha é invejosa, assim como algumas de nós, condena aquilo que ela gostaria de fazer, mas não pode devido sua posição social. E quem poderia imaginar, que a mulher mais poderosa do mundo, sente inveja de outras mulheres, ao ponto de entrar em disputas femininas bem comuns? Isto nos remete a lembrar de algumas figuras públicas que estão por aqui, ocupando cargos no governo. E na base de nossa sociedade, aquelas mulheres que criticam as que vivem de livres, sem se prenderem a padrões sociais.
“Essa família é muito unida, e também muito ouriçada! Brigam por qualquer razão, mas acabam pedindo perdão”. Esse samba do sambista e compositor Dudu Nobre, talvez servisse como uma boa trilha sonora para Família Real Britânica, se o perdão fosse algo que eles praticassem entre si. Como toda família, eles brigam muito, mas, como o status e o poder está acima de qualquer coisa, para aqueles membros que cometem erros que geram escândalos, não há perdão, e a expulsão do núcleo familiar é a alternativa para que eles possam continuar sendo exemplo a ser seguido pelo mundo afora.
Para vermos o quanto eles são seres humanos como nós. Quem é que não tem aquele parente que foi excluído da família, ou até mesmo, expulso de casa por querer viver quem é de verdade. Quantas histórias conhecemos de LGBTQ+ que sofrem com a falta de apoio de seus pais e irmãos, que os enxotam de casa, os obrigando a irem para as ruas se virar. Meninas que engravidam ainda na adolescência e são postas para fora de casa, ou são obrigadas a se casar para limpar o nome da família e diminuir a vergonha causada. Mas, diferentes dos ex-membros da realeza, que são amparados por alguns amigos ricos ou milionários, estes veem na prostituição a única forma de se manterem, até um dia, quem sabe, terem a feliz sorte de encontrar quem os dê as mãos.
Uma mistura de álcool, drogas, orgias, traições, prostituição, intrigas, relacionamentos abusivos, a base de muitas discussões calorosas, que ficam restritos por trás dos altos muros e cômodos enormes das casas reais, as mais vigiadas e espionadas do mundo. A Família Real vive histórias reais, digna de qualquer família comum. A diferença, é que usam todo o poder e dinheiro que possuem para esconder e camuflar seus fracassos. São ensinados e treinados para viver fora da realidade, sufocando todos os sentimentos como amor, empatia, compaixão e respeito, para assegurarem seus títulos de nobreza. E fazem isso para continuar sendo mantidos por cidadãos comuns do mundo, que custeiam seus luxos e caprichos.
A Realeza Britânica não é exemplo de família a ser seguido. Até porque, família tradicional, detentora dos bons costumes, foi algo criado para manter os mais humildes nas rédias curtas, sempre submissos e obedientes, enquanto eles vivem como se não houvesse amanhã e praticando todos os tipos de pecados que a Igreja, chefiada pela própria Rainha, condena. Nada diferente do que vemos em nossa singela República. E usando um trocadilho: a Família Real é verdadeiramente real de fato, como qualquer família da realidade.