Eu sou da Maré. Nascido na Maré. Sou ponto turístico. Eu não falo o português correto, meus amigos são a corja da sociedade e nenhum deles possui peito de aço. Embora alguns deles tenham armas calibre 88 prontos pra morrer e estejam participando de uma guerra que já dura dois meses.
Eu tenho pés, pernas, braços, peito e coração. E ainda tenho que sorrir quando enfrento a multidão. Também sinto saudades, tais como da Joana que morreu após um tiro matar sua única filha chamada Esperança.
Vento e poeira, modo reflexivo. A favela não dorme, é calada, sufocada. Faroeste dos aflitos, veste a farda e tira a fralda, sem querer fui engajado, sem querer me humilharam. E ninguém sabe, e ninguém viu. É o preço que se paga pra não matarem a puta que me pariu.
Todos de preto, usam gandola, burucutu, faca na boca, revólver 38, coturno, algemas descartáveis, munições especiais e 6 carregadores de pistolas, fuzil 7,62 mm, coldres táticos, um bastão retrátil e estão prontos pra guerrear… Pássaro blindado. Dinossauros do futuro. Mosca morta sem pensar.
Ouço tudo pelo telefone celular e a midiahipocrisia insiste em enfatizar que a favela é violenta, foda-se quem mora lá. Me dá um ódio. Me dê um ópio!
Fundo do poço. Quase morro. Comercial.
Tum-tum-tum! Pá! Pum! Pá! Pum! Bláaaa! Bláaaa!
Modo observacional. Os números me revoltam: 27 mortos, 6 presos, muitos foragidos e eu sem ver minha família há 1 mês.
Enquanto isso, o Santa Marta vira alvo da especulação imobiliária e os moradores começam a sentir o efeito da ocupação militar no bolso.
“Eles (moradores) olhavam assustados para aquelas pessoas, que nunca estiveram ali, mas logo entenderam que estavam ali para conhecer o êxito do projeto que pacificou uma comunidade que era dominada pela violência do tráfico. Foi mais uma demonstração de atenção. Ficaram felizes, já que não são mais tratados como bichos ou pessoas à margem da sociedade”, explica a capitã Pricilla de Oliveira, comandante da Companhia de Policiamento Comunitário do Santa Marta.
Mal sabem eles que os traficantes dessas regiões ocupadas não foram arrebatados por Deus. Estão fortalecendo outras favelas e tocando o terror em outros pontos da cidade.
Denunciar? Nem pensar, isso é cultura popular. Então deixa os hômi entrar, pacificar, esculachar e depois virar heróri?! Melhor se demitir, aqui bandido somos nós.
Gentes do morro, tudo enlatado. Nome vulgo, raça do caralho. Os ditos massa. Guerra covarde, terceiro mundo e ainda dizem que é evolução. Tudo é questão de pá e enxada.
Nem Fome Zero, nem Bolsa Família o que me deram foi meia dúzia de balas perdidas. Meu santo forte é de madeira, nem se mexe pra não dar bandeira. Dinheiro curto, trabalho incerto.
E o povo grita, suplica, tenta se organizar. A repressão bate na porta. Mas prometemos que não vamos recuar. Resistiremos. Tipo Romênia. Tipo Colômbia. E que caiam por terra todos os dominadores deste tempo! Por um complexo da Maré livre!
Tum-tum-tum! Pá! Pum! Pá! Pum! Bláaaa! Bláaaa!
Porque a guerra é armada, a luta conceitual e a batalha não está perdida!
Chega de guerra na Maré quero voltar pro Cabaré!
Mas quem vai me ouvir? Digam aí.
E ó, avisa pra geral: aqui é o cria do Pinheiro!