Por: Marina Bastos (marina@abcdmaior.com.br)
Em algum lugar do Jardim Santo André, uma dona de casa escreve uma poesia sobre amor, sobre a terra que deixou para trás quando veio para a cidade grande. Em outro canto, palavras saem hemorrágicas da caneta de alguém que tem muito a dizer; são histórias, protesto, dor e poesia. Na próxima esquina, rimas são lançadas ao ar em frente a um muro grafitado, e do outro lado da rua um senhor conta causos a um garoto de olhos impressionados. Uma comunidade como o Jardim Santo André é repleta de sabedoria popular, de gente que faz arte, de gente que vira artista para sobreviver, para ludicamente driblar a realidade dos altos índices de criminalidade e do abandono.
Cada um se defende como pode. Arte, atitude ou revólver. O Ponto de Cultura Mistura & Gingada está lá para mostrar que as duas primeiras opções são as melhores. Um grupo formado por escritores, rappers, grafiteiros, poetas e agitadores culturais passou a promover todos os meses o “Sarau na Quebrada”. Nos moldes de outros saraus em comunidades de São Paulo como o Cooperifa, organizado por Sérgio Vaz e que rendeu o livro ‘Rastilho de Pólvora- Antologia Poética do Sarau da Cooperifa’, o Sarau na Quebrada tem a proposta de ocupar um bar do bairro e transformá-lo por um dia em centro cultural.
“O que mais se vê na periferia é boteco. Transformar esses lugares num ponto de encontro de artistas, além de ser uma forma de resistência contra a alienação e o álcool, é possibilitar a troca de conhecimento entre as pessoas da comunidade de um jeito familiar e acessível para elas, longe do centro”, afirmou Neri Silvestre, do Ponto de Cultura Mistura & Gingada.
Para o escritor Pico Manarrá, os saraus dão voz à comunidade e incitam uma revolução de dentro dela. “As pessoas passam a ser protagonistas da própria história, já que a história da periferia nunca é contada por pessoas que fazem parte dela. Agora elas veem que é possível se apropriar através da arte e do conhecimento”, disse Pico, para quem o caminho é a verdadeira “guerrilha cultural”.
Democracia – O termo guerilha cultural é usado pelo músico paraibano e hoje morador de Santo André Pedro Osmar, um dos fundadores do grupo Jaguaribe Carne (1974), criador do documentário “Jaguaribe Carne: Alimento da Guerrilha Cultural”, que discute a troca de ideias e produção entre artistas de reconhecimento basicamente locais e as possíveis ações de guerrilha cultural nos movimentos populares para uma administração cultural mais inteligente e democrática.
“Queremos contribuir para a formação de novos líderes nas comunidades, usar a cultura como fator de desenvolvimento, valorizar a identidade do nosso povo. Não queremos que as pessoas das comunidades que detêm conhecimento artístico saiam de seus lugares, vão para o centro e não voltem mais. Também não queremos segregar e limitar os saraus. Queremos o intercâmbio, a troca, e a implantação de novas políticas culturais para que isso aconteça”, disse o rapper Arnaldo Tifu, acrescentando que o sarau é aberto ao público.
A sexta edição do Sarau na Quebrada contará com a exposição de cartazes da antiga União Soviética; exibição do curta-metragem “O Astista contra o caba do mal”, e o debate “Terceirização= Precarização do Trabalho”; além do microfone aberto.
Serviço
6º Sarau na Quebrada
Bar do Pi: Estrada do Pedroso, 270, Vila Luzita, Santo André.
Sexta-feira (26/08), às 19h. Entrada Gratuita.
Fonte: http://www.abcdmaior.com.br/noticia_exibir.php?noticia=33223