Em um país onde as políticas públicas relacionadas ao corpo da mulher são pautadas pela religião e questões morais que deveriam ser apenas particulares, o número de mulheres mortas em complicações por aborto clandestino só aumenta.
Aos 15 anos, pude ouvir do meu progenitor que era sua escolha que eu não tivesse nascido, como forma de justificar que um aborto resolveria toda a situação. Minha mãe poderia ter escolhido um aborto clandestino e ter colocado sua vida em risco, mas essa nem de longe era uma questão em pauta pra ela. Cresci ouvindo o quanto fui desejada, esperada e amada. A realização da maternidade, depois de dois abortos espontâneos.
Infelizmente, essa não é a realidade da maioria das mulheres negras e/ou pobres no Brasil. Quando essas mulheres se encontram na mesma situação de vulnerabilidade emocional, não são assistidas por quase nenhum vínculo afetivo familiar (quando há), muito menos pelo estado, e acabam por optar por um aborto ilegal.
Uma a cada cinco mulheres de até os 40 anos já praticaram aborto, segundo informações de 2016 da Pesquisa Nacional do Aborto, do Instituto Anis.
Mulheres ricas abortam, as pobres morrem
A frase de impacto descreve exatamente como são divididas essas histórias pela escolha da vida da mulher que não deseja levar à gestação à diante. De R$ 4.500,00 a R$8.000,00: essa é a média que uma mulher paga no Brasil para realizar um aborto clandestino, ao passo que mulheres com maior condição financeira chegam a viajar para países onde a prática é legal e fazem o procedimento com segurança. Países da América Latina, como Uruguai, Porto Rico e Cuba, já possuem aborto legal.
No Brasil, os procedimentos realizados em clínicas sem fiscalização e acompanhamento são verdadeiros abatedouros onde mulheres são jogadas e, muitas vezes, não retornam com vida. Esse foi o caso de Jandira Magdalena, uma jovem branca, de 26 anos, moradora de Campo Grande, que teve seu corpo esquartejado e carbonizado após um procedimento que deu errado em uma clínica clandestina, e Elisângela Barbosa, mulher negra de 32 anos, moradora de Niterói que, depois de passar pelo mesmo procedimento, teve seu corpo encontrado por traficantes – levada a um hospital público por moradores, não resistiu. Essas foram duas histórias no Rio de Janeiro que tomaram grande proporção de exposição na mídia e marcaram as investigações sobre as clínicas clandestinas no estado.
O emocional atrelado à pressão familiar, sobretudo religiosa, com certeza são fatos que desestabilizam mulheres que se encontram no questionamento sobre o aborto. Ainda assim, é o estado quem mata diariamente essas mulheres.
O próximo dia 28 de setembro é marcado pela luta contra a criminalização do aborto, mas é importante frisar que tão importante quanto isso é a não criminalização das mulheres que abortam.
Quando falamos da legalização do aborto, fala-se do acompanhamento psicológico que essa mulher receberá, esclarecendo suas questões e auxiliando para que não aconteça o aborto por simples falta de informação e rede de sustentação emocional dessa mulher.
Nos países onde já existe essa legalização, é feita uma conscientização com acompanhamento psicológico e somente cinco dias após essa didática é liberada a retirada do feto. Nesses mesmos países, o número de interrupção de gestação caiu consideravelmente.
Segundo a OMS, um milhão de procedimentos acontecem por ano no Brasil e a cada dois dias uma mulher é morta por complicações do aborto ilegal.
Muito se fala para justificar um não aborto que a mulher que aborta, será marcada eternamente e nunca mais vai ter a seu emocional reestabelecido, o que não discordo). Isso acontece principalmente porque não há o mínimo de segurança para essa mulher. Ela se esconde, silencia, se culpa e internaliza todo e qualquer tipo de situação que envolva o ocorrido.
Clínicas clandestinas só sobrevivem porque a saúde da mulher nunca foi uma pauta levada à sério pelas autoridades que dizem lutar pela vida.
Acesse o site da Anistia Internacional e assine a Ação Presente de Grego, que visa boicotar o projeto de lei que pode retirar o direito das mulheres a realizarem o aborto, mesmo nos casos em que a legislação brasileira já permite o procedimento de forma legal.