Jovens de favelas nos cinco pontos extremos da cidade de São Paulo falam de como se distraem na pandemia e confessam manter algumas práticas de antes do início da quarentena:
“Vamos dizer que não mudou muita coisa não, em termos de diversão para mim. No começo da quarentena eu me privei um pouco de sair, mas o momento de diversão, de se reunir com os amigos para beber, ir para um baile funk, fazer churrasco, andar de moto, eu voltei a fazer. Quarentena por aqui nunca existiu”, diz Caique Oliveira Rodrigues, do bairro Grajaú, extremo sul de São Paulo.
Jhony de Souza Barbosa, 25 anos, da favela do Sapé, zona oeste de São Paulo, afirma que não teme por ele quando vai à rua, mas sim por seus pais que são diabéticos: “Ainda saio para jogar bola, começo com a máscara, mas como ela sufoca, a gente tira, mas eu acho complicado, porque a gente se toca na hora de jogar”, comenta.
Já os jovens que estão seguindo as recomendações tiveram que se adaptar à nova realidade de cultura e lazer neste período.
Quezia Cristina Costa de Oliveira, 20 anos, estudante de relações internacionais, moradora da favela Azul, zona sudeste de São Paulo, gasta seu tempo assistindo TV. “Tive que redescobrir as redes sociais, já que não tenho muita afinidade; converso mais com meus amigos por telefone para manter o contato”, diz.
Moradora da mesma favela, Ludimila Gomes dos Santos, 16 anos, fazia curso de fotografia em um ONG próximo à sua casa e com a pandemia aderiu à tecnologia para continuar a fazer o curso. “Tenho um pouco de dificuldade para acessar às aulas, pois não possuo internet de qualidade, só consigo assistir na casa da minha avó”, afirmou. Jhony e Quezia também concordam que o entretenimento deve ser mais tecnológico neste período, porém com dificuldades de conexão acabam tendo prejuízo até para assistir às aulas da universidade.
Danilo dos Santos da Cruz, 22 anos, leitorista da Congás e morador de uma ocupação no Jardim São Carlos, na zona leste paulista, não faz nada além de usar o celular e sair para trabalhar, pois não tem opção de entretenimento no local onde mora. “Aqui a gente tem apenas uma quadra gigante onde o pessoal joga bola ou anda de bicicleta, mas sem preocupação em se proteger ou evitar aglomerações”,disse.
Aliás, esse foi um dos problemas apontados por todos os jovens entrevistados, o não cumprimento das medidas de proteção pelos moradores de seus bairros é muito comum. Motivo que levou todos a crerem que a liberação do entretenimento poderá aumentar o risco de contaminação. “O entretenimento é valido desde que tenha proteção e não tenha aglomeração. O pessoal mais velho se protege, mas o pessoal mais novo não se importa, acha que não vai pegar”, comenta Jhony. “As pessoas não usam máscara, então o risco é maior porque não se preocupam”, disse Ludimila.
Segundo Caique as pessoas que saem de máscaras são, muitas vezes, julgadas como chatas ou doidas. “Todos estamos muito próximos um do outro, em uma casa moram 4 pessoas, no mínimo. Aqui as pessoas aglomeram, vamos dizer que de 10 pessoas, uma se cuida e é julgada”, afirmou. “As pessoas falavam: ‘Ah, mas eu vou pegar ônibus lotado, vou pegar metro lotado, vou pegar coronavírus de qualquer jeito, eu vou pra praia, vou curtir, vou fazer alguma coisa, porque eu posso pegar trabalhando’ então, para mim, foi muito frustrante ver que todo mundo saia e fazia o que podia e a gente cinco meses dentro de casa”, desabafa Quezia.
Para Danilo, esse comportamento surge de uma falta de informação por parte da população mais pobre. “Eu acho que as pessoas não acreditam na doença, aglomeram pra se divertir. Só usam máscara quando vão pegar cestas distribuídas pelo pessoal de fora, e porque eles pedem para colocar”, comenta.
No entanto para Quezia e Caique, cultura e lazer não são prioridades neste momento na favela. Eles observam que os moradores estão passando por questões sociais mais sérias como: perda do emprego, falta do que comer e convívio conflituoso dentro do lar, nesse sentido as pessoas estão buscando nas festas e bebedeira uma fuga dos problemas. “Neste momento o que seria mais importante é a assistência do Estado, saber o que está acontecendo e como está o psicológico do pessoal. Trabalho em uma loja e vejo que as pessoas estão deprimidas e que começaram a beber bebidas quentes. As pessoas acham que pobre não tem depressão, mas o pobre não tem tempo nem para tomar consciência de que está com depressão porque tá trabalhando, senão passa fome”, complementa Quezia.
Apesar disso, todos os jovens entrevistados acreditam que a cultura poderá voltar aos poucos, porém não completamente. Caique ainda acredita que esse momento trouxe oportunidade para que muitos jovens trabalhassem com arte em seu bairro e conta o caso de um amigo que após perder o emprego começou a grafitar e está gerando renda através desse trabalho artístico.
Escassez de lazer e cultura é uma realidade nas favelas
Todos os jovens entrevistados comentaram que já lidavam com a escassez de equipamentos de lazer, esporte e cultura em seus bairros antes da pandemia. Eles apontam que, mesmo os poucos que ainda tem nas proximidades, como: praça ou aparelhos de ginásticas, não contam com manutenção do serviço público periodicamente, ficando em más condições de uso. Com a degradação ficam subutilizados, tornando-se ponto para uso de drogas.
Quezia, Jhony e Danilo eram frequentadores da Avenida Paulista, das casas de cultura e bibliotecas de bairros centrais e das pistas de skate antes da Pandemia. Saíam de seus bairros para encontrar exposições e outras formas de diversão não disponíveis próximos a eles. “É chocante ver que os jovens de áreas mais nobres tem mais opções gratuitas do que a gente que não tem dinheiro”, desabafa Quezia. Ela conta ainda, que tem uma ONG no bairro que fornece cursos profissionalizantes e recreação e que isso é um diferencial para a população da favela. Jhony e Danilo dizem que entendem a importância dessas iniciativas: “gostaríamos que houvesse mais atividades nas comunidades como esporte, natação e aulas diversas promovidas por ONGs ou associações”.
De acordo com a Secretaria de Esporte e Lazer do município de São Paulo, existem hoje 47 Centros Esportivos, 261 unidades esportivas em terrenos municipais e quase 7 mil ruas de lazer espalhadas por São Paulo. Em nota, a Prefeitura de São Paulo, por meio Secretaria de Esportes e Lazer (SEME), informou que alguns Centros Esportivos foram reabertos no dia 6 de julho e os Clubes da Comunidade no dia 10 de agosto. Em ambos permitido, apenas, para caminhadas e corridas leves ao ar livre, entre as 6h e as 14h diariamente, seguindo uma série de recomendações como: proibição do uso de aparelho; controle ao acesso e aglomeração; aferição da temperatura na entrada; recomendação aos usuários para distanciamento durante as atividades; uso de máscara e recomendação de que os usuários levem seus próprios meios de hidratação.
Apesar da quantidade de equipamentos disponíveis, a maioria dos jovens entrevistados garante que existe uma falta investimento nas favelas no quesito lazer, cultura e recreação. Afirmam, ainda, que se houvesse um olhar apurado dentro das favelas e bairros periféricos, talvez a vulnerabilidade da população jovem diminuiria. No que diz respeito a participação da comunidade, para Ludimila, os moradores poderiam se unir mais para melhorar o pouco que existe como reconstruir e limpar os espaços. Porém, ela chama a atenção para a maior falta de espaços para as mulheres do que para os homens.
Observação que Quezia confirma: “Os meninos conseguem usar uma quadra e ainda recebem incentivo, ganhando bolas e camisetas para o time do bairro, mas as mulheres, principalmente o público negro, poderiam ser consideradas e contempladas com mais atividades de empoderamento feminino e da raça”. Além disso, ela afirma que o acesso à cultura dentro da favela está difícil para todos os públicos e que os idosos são os mais desvalorizados neste aspecto. “Já que o poder público só se preocupa em tempos de eleição, que a favela se una para fortalecer sua cultura e economia, porque é da favela que sai a economia e a mão de obra que gira tudo”, completou.
Esta matéria foi produzida com apoio do Fundo de Auxílio Emergencial ao Jornalismo do Google News Initiative.