A Frente Nacional Antirracista fez hoje, dia 13 de maio, através da campanha “Panela Cheia Salva”, o ato nacional entre 10hs e 12hs em todos os estados brasileiros e no Distrito Federal, com distribuição de cestas básicas e camélias à favelas, comunidades quilombolas, indígenas e ribeirinhas, além da divulgação de um manifesto.
No Rio de Janeiro, em função da maior chacina na história do estado, ocorrida no último 6 de maio, foram distribuídas 2 mil cestas básicas, atendendo a 8 mil moradores na comunidade do Jacarezinho, localizada na zona norte da capital.
A partir das 7hs da manhã organizadores do ato e moradores voluntários já se encontravam na quadra da Escola de Samba Acadêmicos do Jacarezinho. Duas filas foram montadas na entrada da quadra, com a distribuições de pulseiras para os moradores beneficiados com as cestas básicas.
Frente Nacional Antirracista e o “Panela Cheia Salva”
A Frente Nacional Antirracista (FNA) surgiu a partir do assassinato de João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, espancado até a morte por seguranças do Carrefour de Porte Alegre (RS) no dia 19 de novembro de 2020, às vésperas do Dia da Consciência Negra.
A FNA foi fundada em 1º de dezembro de 2020 e reúne mais de 600 organizações dos movimentos sociais, com foco no movimento negro, como Educafro, Frente Favela Brasil, UNEGRO, Quilombação, Instituto Luiz Gama, Movimento Negro Unificado, entre outros tantos.
Com o lema “Sem preto, não tem desenvolvimento”, a FNA iniciou uma interlocução com o setor público, organizações empresariais, sindicais e universidades a fim de fomentar “alternativas que favoreçam a inclusão racial e social, o enfrentamento da desigualdade e o desenvolvimento econômico do país”, segundo seu manifesto. Para tal foi lançado um diálogo com as 100 maiores empresas do país.
A partir do incidente do Carrefour de Porto Alegre (RS), elencou a necessidade de Comitês Externos e Independentes nas empresas para a formulação de agendas antirracistas nestas organizações. A FNA entende que um dos pilares do racismo estrutural e institucional é a economia.
Este ano de 2021, com o agravamento da calamidade da saúde pública produzida pela pandemia do Coronavírus, a Frente Nacional Antirracista, a Gerando Falcões e a Central Única das Favelas lançaram a campanha “Panela Cheia Salva”, em parceria a Representação da UNESCO no Brasil. O intuito é enfrentar a dura realidade da fome para as famílias das comunidades do país, através da doação às instituições parceiras. Até o momento, segundo o site http://panelacheiasalva.com.br, já fora arrecadados R$ 57.766.379,44.
Entrega das cestas básicas
A partir das 10hs iniciou a distribuição das cestas básicas aos moradores. Na entrada da quadra da Acadêmicos do Jacarezinho, um corredor foi formado com voluntários da FNA para recepção dos moradores da comunidade. A cada um era entregue um ramo de Camélia.
Carla Gregório, do Movimento Popular de Favelas (MPF), é uma das fundadoras da Frente Favela Brasil (FFB), e explica que “Camélia é o símbolo hoje da luta antirracista, porém foi utilizado no processo abolicionista, [vingado pela Lei Áurea de 1888], que ocorreu de modo errado, sem as oportunidades, e a liberdade de fato. A gente foi liberado da senzala, porém ainda presos aos açoites e às leis criadas pelo povo branco apenas para aprisionar mais ainda o povo negro”.
Rafael dos Santos, 32, morador do Jacarezinho, conta que é a segunda vez que precisa de cestas básicas durante a pandemia. A primeira vez foi ano passado por uma organização social de Manguinhos, comunidade em frente ao Jacarezinho. Desempregado desde dezembro de 2020, em razão de corte de contratos em função da pandemia, trabalhava como porteiro. Sobre o massacre do dia 6 de maio, relatou que “os tiros foram bem próximos da minha casa, teve muita gente com muito prejuízo ali. Na rua Mario Rangel, teve loja que virou uma peneira, dono de loja perdeu muita mercadoria”.
Tereza Gregório, catadora de latinhas, se autodeclara desempregada, com quatro filhos para criar, e agradece a cesta básica.
Um moradora que preferiu não se identificar, diz está revoltada com a ação violenta da Polícia Civil na comunidade e a incriminação dos moradores pela ótica da segurança pública:
– “Mãe nenhuma faz filho pro tráfico, e nem pra polícia, porque olha a crueldade que eles fazem. Por que o governo não vem ajudar? Então, tem menos creches e pessoas trabalhando, as crianças estão com fome, precisando levar comida para as mães. Um policial entrou na minha casa, incriminando a gente, procurando arma e disse ‘não tenho pena de crianças’. Eu queria que as pessoas soubessem o que é a ferida de uma comunidade. É uma ferida que não cicatriza, por culpa da sociedade”, finaliza.
Luis Lima, 49, tem quatro filhos em casa, trabalhava como promotor de vendas, desempregado há 5 meses devido a falência do comércio em razão da pandemia. Recebe pela primeira vez uma cesta básica. “Tô esperando a vacina, só vacinando as coisas vão melhorar, inclusive a situação econômica”.
O 13 de maio no Jacarezinho após uma semana da chacina.
Denilson, 42, da Ong Viva Jacarezinho, conta que semana passada tiveram a tragédia, e que hoje estão reunidos com várias lideranças nas comunidades para mostrar ao mundo a importância que tem a consciência negra.
A Ong Viva Jacarezinho é uma das principais organizações que promove melhorias no território. Realiza cursos na área de tecnologia da informação, assim como balé, culinária, primeiros socorros, maqueiro, entre outros.
“As mães agradecem porque os filhos estão mais interessados, estão mais em casa pesquisando conteúdo pedagógico, estão conseguindo acessar o link da escola, o que é mais difícil para o favelado no ensino remoto. Se a gente tirar 10 crianças da rua já é lucro pra gente, e estamos buscando apoio para estes jovens”.
Ivanir dos Santos, presidente do CEAP, Centro de Articulação de Populações Marginalizadas, destaca a importância de evidenciar as condições de vida em que vive a população negra, com desemprego, falta de escola para crianças, falta de saúde, e sobretudo a violência, seja de onde ela vier.
Sobre o massacre do dia 6 de maio, ele diz: “acredito que o Ministério Público tem que dar uma resposta ao que aconteceu no Jacarezinho. A polícia, quem tem que controlar é o Ministério Público”.
Marcelo Santos, também do CEAP, inferiu que o 13 de maio “significou o mesmo que no passado para nós negros, ou seja, a chibata. Não por acaso semana passada, no Jacarezinho, uma das favelas com maior quantidade de população negra do Rio de Janeiro, a polícia entrou com violência sob a desculpa da segurança pública”.
O CEAP é uma organização da sociedade civil que tem 32 anos, fundada por homens e mulheres do movimento negro, e de sindicalistas, para denunciar as chacinas ocorridas no Rio de Janeiro dos anos 1980, como de Acari, Candelária, Vigário Geral e tantas outras que aconteceram também na Baixada Fluminense. É uma organização que nasceu para defender os direitos humanos na prática, pelo direito à vida, mas que vem direcionando suas ações para projetos de valorização da cultura negra, contra a intolerância religiosa
Para Rose Cipriano, do Movimento Negro Unificado (MNU), “a chacina do Jacarezinho é o recado do Estado e do que ele está disposto a fazer. É preciso lembrar que estamos na vigência da ADPF 635 que proíbe estas operações. A Polícia Civil não está acima da Justiça. Queremos que os responsáveis pelo o que aconteceu no Jacarezinho sejam julgados. Nos meses de janeiro e fevereiro aconteceram as mesmas chacinas e seus modus operandi na Baixada Fluminense, sobretudo em Nova Iguaçu e Belford Roxo”.
Cláudia Vitalino, da UNEGRO, denuncia que “o 13 de maio nunca foi uma data de comemoração, porém um momento de reflexão. No Jacarezinho nós viemos com estas atividades para repudiar toda e qualquer violência e promover a política pela vida. Porque panela cheia é que salva vidas. Na verdade o que existe e um racismo institucional, não temos pena de morte, a polícia tem que prender, não tem executar”.
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