A coluna da semana passada sobre o clipe “Vai Malandra” foi o meu maior sucesso editorial como colunista no portal da ANF. Foram mais de 11 mil acessos até o momento. Longe de querer reproduzir o fenômeno, vou insistir no tema, mesmo sabendo que, na era das redes, o assunto já ficou velho. Mas, como foram muitos os comentários e polêmicas que passei a acompanhar dentro e fora da minha timeline, vamos de Anitta novamente, que já alcança quase 65 milhões de visualizações no YouTube até o fechamento deste artigo.
A primeira coisa que me chamou atenção nas repercussões do clipe foi o enorme debate sobre a questão do empoderamento feminino. Procurei entrar no tema por um outro lugar – até porque tem gente muito mais habilitada a falar sobre feminismo e empoderamento feminino do que eu e do que nós homens. Melhor deixar essa parte com as mulheres, que não precisam de intermediários e estão fazendo muito bem o seu papel. Mas, é bom lembrar, que trata-se somente de um videoclipe, que não é – nem se propõe a ser – um tratado sociológico ou um levante feminista contra o patriarcado. Se formos por este lado, corremos o risco de procurar cabelo em ovo ou chifre em cabeça de cavalo.
Um videoclipe da Anitta é tão empoderador e revolucionário quanto o especial de natal do Roberto Carlos. O que vi ali de novidade, e tentei debater no artigo anterior, foi uma operação de significados e deslocamentos de sentido em relação ao termo “malandra”, já que, na autêntica cultura popular, todo o universo da malandragem pertence ao homem e está sempre relacionado ao universo masculino. Em “Vai Malandra”, Anitta brinca com o bumbum e também com essa ideia de malandragem. E é malandra também como mulher de negócios, como artista e entertainer, ao emplacar uma polêmica que ajudou a projetar o seu hit do verão. O jogo dela é o show business. O clipe precisa ser visto e lido neste contexto, da cultura de massas e da indústria cultural. Qualquer outra perspectiva ou abordagem tem que levar em consideração este ponto de partida.
Agora, não dá pra negar que determinadas posturas críticas ao clipe terminam por reproduzir uma série de preconceitos tão ou mais perigosos do que a objetificação e/ou padronização do corpo feminino. Ao criticar o clipe de Anitta, a classe média branca, esclarecida e empoderada detona o funk, advoga a defesa da pretensa verdadeira cultura popular – como se, desde Canclini, já não soubéssemos que os universos da cultura popular e da cultura de massas dialogam e se contaminam mutuamente enquanto “culturas híbridas” -, reproduz opiniões sobre a favela a partir da perspectiva do asfalto e, claro, sentam o pau na menina pobre que chegou ao estrelato internacional, como se fosse este o seu principal “crime”.
O sucesso de Anitta incomoda muita gente, e isso a polêmica deixou claro. Além do problema de gênero, temos aí um problema de classe. A elite brasileira tem muita dificuldade com o sucesso quando este vem daqueles “de baixo”, e aciona repertórios que estão fora do seu universo cognitivo. E estamos falando de uma elite que é legal, bacana, descolada, de esquerda, mas que, na hora de estabelecer a fronteira entre as classes, não abre mão do “bom gosto” e dos “bons modos” como categorias do debate político e cultural. Quando questionadas em seus preconceitos e posturas pré-estabelecidas, não abrem mão de reforçar o seu lugar de fala, repetindo a pergunta / afirmação: “Você sabe com quem está falando?”.