Quis o destino que a primeira medalha de ouro do Brasil nesses Jogos Olímpicos viesse através de uma mulher, negra, favelada e gay. Só nessa frase foram desfeitos quatro tipos de preconceitos. Logo ela, que há quatro anos, nas Olimpíadas de Londres, foi hostilizada por internautas que a chamaram de macaca, entre outras coisas… Agora que ela atingiu o topo e é campeã mundial e olímpica, a opinião pública se derrete e rende as merecidas homenagens.

Nascida e criada na Cidade de Deus, uma das maiores e mais violentas cidades do Rio de Janeiro, Rafaela já é uma guerreira muito antes de subir no primeiro tatame. Como mulher negra e favelada, desde sempre teve que lutar para permanecer viva, já que, em todas as favelas, qualquer morador é alvo de possíveis ataques das forças de segurança do Estado. Quando não é a polícia, é o Exército ou a Guarda Nacional. Nesses tempos de pura “pacificação”, os resultados obtidos por atletas oriundos de favelas ou periferias evidencia que se essas ações do Estado fossem acompanhadas de políticas sociais, educacionais, culturais e esportivas, a vida de muitas pessoas mudaria para melhor. O morador de favela quer o mesmo que o morador do asfalto: direitos, respeito, dignidade e, acima de tudo, oportunidades para almejar um futuro melhor para si e para os moradores de suas comunidades.

Essa medalha da Rafaela só foi possível por causa de um projeto social, a organização não governamental Instituto Reação. Aliás, o trabalho das ONGs sérias nas comunidades tem contribuído e muito para transformar a vida de milhares de pessoas das favelas cariocas. Acontecem desde oficinas de instrumentos musicais, passando por reforço escolar, até aulas de balé e música erudita. Porém, ainda são poucos os resultados desses trabalhos. As ONGs precisam ter mais apoio da sociedade civil e de governos. Muitas delas estão falindo por falta de recursos técnicos e financeiros. A sociedade precisa entender que, na atualidade, contribuir para a melhora de vida de todos os cidadãos é, antes de tudo, uma questão de segurança. Enquanto a sociedade se omitir e tapar a visão de todas as mazelas que o povo favelado sofre e não criar soluções que não sejam paliativas, vamos continuar vivendo numa cidade partida, onde diariamente assistimos ao assassinato de pessoas inocentes.

P.S.: Enquanto a cidade vive um clima de paz e confraternização nas áreas de competição e shows oficiais dos Jogos, o 41º Batalhão da Polícia Militar do Rio de Janeiro promove desde o fim de semana incursões diárias na Favela de Acari. Há vários relatos de abuso de autoridade. Moradores reclamam que suas casas são invadidas por policiais sem mandato judicial.