O verão terminou; já é outono. Hoje, completam-se 55 anos de uma era de outonos contínuos no Brasil. Nesse mesmo dia, em 1964, o Estado Democrático de Direito, à época sob o comando de João Goulart, foi brutalmente golpeado. Os militares tomavam o poder arbitrariamente e já se espalhava a primeira fake news – antes mesmo desse termo emergir- da era militar: dizia-se que Jango tinha fugido do país e abandonado seu mandato. Tudo mentira. O presidente participava de reuniões quando teve seu cargo tomado. Partindo do princípio popular de que nada que começa errado termina certo, não é difícil presumir o que a instauração da ditadura provocou: mortes, torturas, corrupção e violência foram as marcas deixadas durante todo o regime ditatorial brasileiro.
Crianças –sim, as crianças que o governo atual tanto tenta “proteger” de debates como o de gênero, pois não teriam discernimento e nem maturidade para esse tipo de questão- foram acusadas de terrorismo e torturadas. Algumas, como Alexandre Azevedo, preso quando tinha apenas um ano e oito meses, nunca superaram o trauma das torturas sofridas. Alexandre se suicidou em 2013. Intelectuais eram proibidos de ler certos livros porque os militares não achavam de bom grado. Como punição, quem era pego com literaturas censuradas era preso, torturado e perseguido.
Engana-se quem enche a boca para dizer que, durante a ditadura, pelo menos não havia corrupção. Em 1968, com a instauração do Ato Institucional número 5, quem enriquecesse de forma ilícita teria seus bens confiscados. Foram abertos mais de 1.000 processos para investigar patrimônios suspeitos, dos quais pelo menos 1.000 foram arquivados. O ditado que valia era “aos amigos, o silêncio.”
Hoje, 55 anos depois, o presidente eleito aproveitou o ensejo de seu poder- e de sua ignorância- para comemorar a “revolução de 64”. Que revolução? Revolução sem voz é medo. E é isso que a ditadura representa. Privilégios para uma minoria, morte para a rebelião. Um país machista, racista, homofóbico, ignorante, bruto. O título desse artigo parafraseia Elis Regina quando ela canta:
“Nossos ídolos ainda são os mesmos e as aparências não enganam não. Você diz que depois deles não apareceu mais ninguém. Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais.”
E, de fato, os ídolos são os mesmos: Ustra, símbolo da violência militar, ainda é reverenciado como um ícone. O que dói mesmo é perceber que somos os mesmos de 55 anos atrás. Os mesmos enclausurados pela ignorância arbitrária de um governo. Dessa vez, porém, é pior: a população votou nessa ideologia.