às vezes, olho à minha volta, não encontro uma saída
tentando ser melhor, dar um rumo pra minha vida
distante de tudo aquilo que nos destrói
que serve pro discurso de ódio do boy
enxergo que a fase adulta chegou bem cedo
e até hoje não aprendi a vencer meu próprio medo
não quero ser exemplo de mais um que se foi
pelo sonho de consumo que se dispôs
a enquadrar o carro forte e ficar com os malote
para entender que o salário do crime é a morte
é por isso que desse caminho eu me esquivei
para vencer, fiz do estudo minha primeira lei
assim como Luther King, eu também tenho um sonho
por isso, tô firmão na zona de abandono
porque não quero ver presos os menó
mas ostentar mais diploma do que os B.O.
é difícil narrar sem uma lágrima cair
aqueles que se foram e não estão mais aqui
e só restou lembrança nos dizeres de saudade
estampados nas camisas feitas por homenagem
então, valoriza a riqueza do momento
os verdadeiros heróis habitam teu pensamento
se esquiva dessas fita que é tudo ilusão
que só serve para contabilizar corpo no caixão
irmão, presta atenção no seguinte
contrariar o opressor, isso, sim, que é ser do crime
não tem preço ver tua filha correndo, brincando
te abraçando quando você chega do trampo
momentos como esse fazem eu me sentir mais vivo
dá força pro acordar, para lutar é incentivo
assim como teve alguém que correu por mim
que foi minha luz quando só enxergava o fim
eu agradeço a Deus e em minha oração
peço paz e saúde pra mim e pros irmão
e pros que estão reclusos, no desespero
possam entender que sempre existe o recomeço
o preço que paguei para viver na guerra
fez de mim um porta-voz da favela
e enquanto as injustiças nos tiram a paz
eu narro aquilo que o sistema odeia mais
sem pais, sem lar, mas com amor no peito
vou sobrevivendo e com Deus dou um jeito
me garante o alimento para eu ficar de pé
é isso que fortalece a minha fé
cantando a violência em forma de verso
é assim que me expresso
porque não importa o que a vida fez de você
mas o que você fez com isso é o que vai prevalecer.
Publicado na edição de março de 2018 no jornal A Voz da Favela.