Há cinco anos, as segundas-feiras viraram marco na vida de Thiago Araújo Bezerra, 23 anos. Morador do Morro da Providência e aluno de classe especial da Escola Municipal Rivadávia Corrêa, na Cidade Nova, o jovem vence vielas todo início de semana em direção ao espaço que considera sua “segunda casa”: a sede do Projeto Som+Eu, um casarão antigo na base da comunidade. Vai ao encontro da “alegria, da calma e dos amigos” que a música de compositores como Mozart, Brahms, Chopin e Villa-Lobos, entre outros mestres, lhe traz.
Em sala simples, mas refrigerada, Thiago dedilha um violoncelo e se junta, em pé de igualdade, com a colega da escola de música Giulliana Chiara, de 14 anos e aluna do 4º ano; com Kelvin Kelcio da Silva, 15 anos, aluno do 1º do Ensino Médio; com Amanda Matheus de Abreu, 18 anos e futura caloura do curso de Música da UNIRIO; com Eduardo Braga Viana, 9 anos e aluno do 4º ano, e a bióloga Elizabeth Viana, 39 anos – filho e mãe –, entre tantos talentosos estudiosos de violino, violoncelo, contrabaixo, instrumentos de sopro, percussão, prática de orquestra, teoria e percepção musical.
Com mais de 600 alunos beneficiados gratuitamente com os cursos oferecidos desde 2011, o Som+Eu terá sua bem-sucedida metodologia compartilhada a partir do segundo semestre com as escolas públicas municipais do Rio através do Programa Orquestras nas Escolas. Uma experiência inovadora que irá se juntar ao trabalho de educação musical já realizado na rede, como informa o secretário municipal de Educação, César Benjamin. “Estamos importando a experiência do Projeto Som+Eu, que já formou muitos instrumentistas mirins em comunidades. Nosso programa Orquestra nas Escolas começa em 30 escolas neste ano e vai a 150 em 2018, atingindo 45 mil alunos, somando-se ao trabalho de educação musical que já é realizado na rede”.
De acordo com o secretário, o programa municipal está sendo estruturado, o que inclui os contatos com os professores. “Nossos alunos assistirão apresentações de instrumentistas considerados eruditos – viola, violoncelo, trompa, trompete, etc. – como primeiro passo para o aprendizado de um instrumento. A meta é formar 80 mil instrumentistas até 2020. E terminar a gestão com uma orquestra sinfônica dos alunos da Rede Municipal de Educação”, anuncia.
Uma das criadoras do Som+Eu e hoje engajada no desenvolvimento do Programa de Orquestras, a baiana Moana Martins vê na democratização do ensino de música um caminho para o fortalecimento da educação, da cultura, da sociabilidade e do reconhecimento dos pares. “Desde o dia que o aluno chega no Som+Eu ele é incentivado a vencer pelo saber, ser eficiente na educação formal e na prática musical. Buscamos investimentos na música para manter esses alunos motivados para a vida. Damos instrumentos para que não parem de sonhar”, detalha Moana, lembrando que o projeto tem a sede da Providência e um polo em Duque de Caxias, vive de patrocinadores e apoiadores e cede instrumentos para os alunos nas aulas. Tudo de graça.
Nas duas bases, a clientela engloba 95% de alunos das redes públicas, como Thiago Araújo Bezerra, que vence muitas das dificuldades trazidas pela hidrocefalia com a música, e Giulliana Chiara, ambos da rede municipal do Rio. Os pais, muitas vezes, acabam incorporados. Além de aprender a tocar instrumentos, os alunos, entre seis e 19 anos na sua maioria, recebem aulas de teoria e não raro se integram às orquestras formadas pelo projeto: a de Câmara da Providência; a Juvenil, destinada aos alunos menores; e a Sinfônica.
É o caso de Kelvin Kelcio da Silva. Morador do Caju, viu um cartaz sobre o projeto ao passar de ônibus como irmão Adriel. Pediram a mãe para inscrevê-los. Adriel deixou o projeto após cinco anos e já considerado um talento do violino. Kelvin, já bolsista da Escola Musical Villa-Lobos, segue na Providência também, onde toca celo; e em outras orquestras. “Eu vejo a música como uma profissão e espero ir longe com ela. A música me traz alegria, calma e harmonia para minha vida”, vislumbra o jovem, que sonha em tocar no Theatro Municipal.
Já Giulliana Chiara toca violino há três anos. E vê na música a liberdade que a timidez deixa reservada aos momentos pessoais. “A música permite ser eu mesma, ter a liberdade de demonstrar meus sentimentos. Quando toco meu violino imagino coisas bonitas, parece uma pintura”, compara. Aluno aplicado na música,Thiago Araújo Bezerra resume o que a maioria dos colegas de projeto sente: “Não vivo sem a música”. Amanda Matheus de Abreu, a aluna que agora vai cursar Música na UNIRIO, vai mais além. “Esse projeto não se resume só na música. Ele traz cidadania”.
Entre os professores e maestros as opiniões seguem no mesmo ritmo. “Sempre me identifiquei com esses projetos sociais de comunidade. Você conhece cada personalidade, cada história de vida. Já salvei muitos alunos de caminhos ruins”, afirma Thaís Ferreira, professora de violoncelo. Fabiana Valente, que ensina violino e viola, faz coro: “Já vi muitas vidas se transformar com a música. A música atinge a lógica, sensibiliza, o aluno sai do senso comum”.