“Cada corpo preto é uma reconstrução de Palmares”. A frase saiu por esses dias enquanto estava escrevendo um verso para presentear um professor de História. Era um amigo-oculto de artesanato da galera do Pré Vestibular. A arte que faço com as mãos é escrever rimas, então, era o que tinha a se fazer. Durante o processo de composição e alguns dias depois, me vieram algumas informações que geraram inquietações. Não foram os dreads da Anitta, mas pode ter uma certa relação.
Corpo, presença e lugar foram três palavras que ouvi bastante esse ano: o corpo como expressão daquilo que somos, a presença como afirmação de que esse corpo pode e quer estar naquele determinado espaço, o lugar como o ponto onde estamos em termos de contexto social, vivências e experiências. Pode parecer papo de doidão da porta do Ifcs, mas repare: um corpo preto presente em determinado espaço poder ser uma afronta. E o seu lugar pode até ser um antissímbolo, uma contrarrepresentação daquilo que buscam falar sobre determinado padrão de sociedade.
Imagine a cena: o jovem preto, de camisa, bermuda e tênis Nike, cordão de ouro pra fora e cabelo com corte degradê no shopping Leblon comprando o que quiser à vista. Esse jovem é o corpo presente naquele espaço que causa afronta. Com todo dinheiro no bolso, nota fiscal das compras, carteira assinada e contracheque, ele não está livre do racismo. Afinal, não, o dinheiro não acaba com o racismo.
Existem também os antissímbolos do que se tem como cultura. Torcida organizada, galeras de funk, bate-bolas e pichadores são os terroristas das ruas do Rio. O assunto é tão mítico quanto caótico que vai sair em livro escrito por Gustavo Coelho, Deixa os Garotos Brincar. Melhor título possível.
É fato: nossa presença causa medo. Nossa luta causa espanto. Nossas conquistas incomodam. E são as que representam a maioria da população desse país.