Era a segunda vez que eu fazia o exercício de dar uma breve passada de olho em cada uma das capas expostas à venda na única banca de jornal da Rodoviária Novo Rio, por onde circulam em média 50 mil pessoas diariamente. Uma coisa fica óbvia nesta e nas outras vezes: não existem negros e negras nas capas das revistas brasileiras.
Naquele dia, contei 54 revistas. Apenas em uma delas, a edição brasileira de uma revista internacional de moda, uma modelo negra estampava a capa. Escolha o gênero. Pode ser fofoca, comportamento, decoração, política e atualidades ou amenidades de modo geral. Não importa o tema. Sempre haverá um branco ou uma branca na capa.
Que vivemos uma falsa democracia racial é nítido. Basta olhar para o fato de que 53% da nossa população é negra ou parda, porém, somente 25% das pessoas com curso superior são negras, apenas 15% dos juízes são negros, só 20% dos deputados são negros, entre outras dezenas de exemplos que poderiam ser citados. Mas, uma das coisas que mais me assusta nesse relato é pensar que, mesmo nos veículos de comunicação, que estão à venda para todos os públicos e que também precisam do dinheiro do povo negro, esfregam na nossa cara o descaso com a representatividade.
Esse fato é uma ramificação, entre muitas outras, do nosso racismo estrutural, consequência de um país forjado sobre um regime de escravidão que durou 388 anos e sugou tudo o que podia dos povos trazidos da África, gerando um estigma a todo o povo de pele escura nas terras tupiniquins. O racismo estrutural é evidenciado dia após dia. Existe implicitamente – às vezes, explicitamente também – o entendimento de que há lugares para negros e lugares para brancos em nossa sociedade. E, para a mídia classista e preconceituosa, capa de revista não é lugar de negro.
Mais um 20 de Novembro chega. Entre as muitas reflexões necessárias, é preciso que reflitamos também até que ponto os veículos de comunicação, que não dão espaço ao povo negro, merecem a leitura e o sofrido dinheiro do povo preto e descendente de Zumbi.
Publicado na edição de novembro de 2017 do Jornal A Voz da Favela.