Apesar “Dele”, a Cinelândia rememora a resistência ao Golpe de 1964, no 31 de março

Manifestantes empunham faixa que da nome ao Ato. Créditos - Bruno Kaiuka

 

A Agência de Notícias das Favelas esteve presente no ato ” Ditadura Nunca Mais!” deste domingo 31 de março, convocado pelos Comitês de Luta Contra O Golpe, o Partido dos Trabalhadores, o Partido da Causa Operária, o Partido Comunista do Brasil, a União Nacional dos Estudantes e o comitê Fora Bolsonaro.

A tarde de domingo ensolarado foi um momento de encontro, confraternização, comoção e luta dos manifestantes que ocupavam a praça Marechal Floriano, ou a Cinelândia. O ato marcado para as 15hs, desde as 14hs já reunia presentes espontaneamente reunidos para os sentados nas escadaria da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, ou mesmo em pé assistindo as falas do carro dos representantes de entidades sindicais e partidos e movimentos sociais.

O carro de som se posicionou em frente à Câmara Municipal seguindo a ordem protocolar de falas, enquanto manifestantes circulavam e trocavam solidariedade, muitos testemunhas vivas dos anos de chumbo de modo mais trágico. Outros preferiam ouvir sentados no restaurante Amarelinho tomando um bom Chopp. Estiveram presentes também uma série de mídias impressas de movimentos sociais, além de distribuidores do jornal A Voz da Favela.

Todo 31 de março é marcado por manifestações contrárias à “página infeliz de nossa história” através de atos, protestos ou em “ofegante epidemia” de publicações compulsivamente compartilhadas nas redes sociais. Porém, por uma obviedade ululante, o ano de 2019 flamula novos corações de revolta contra a determinação de um presidente da República que determinou ao Ministério da Defesa que faça “as comemorações devidas” aos 55 anos do golpe civil, empresarial militar de 1964 que suspendeu o Estado de Direito do país por 21 anos.

O Golpe de 1964, interrompendo a gestão presidencial de João Goulart, iniciou um processo histórico de Exceção, responsável pela suspensão de direitos políticos individuais fundamentais, cassação de mandatos e partidos políticos, mas sobretudo pela tortura e execuções sumárias dos “inimigos internos” do regime. Até sua extinção oficial em 1985, segundo relatório da Comissão Nacional da Verdade, a ditadura matou ou desapareceu cerca de 434 pessoas, e entre 30 a 50 mil foram presas ilicitamente e torturadas.

O advogado André Barros, vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB RJ, ilustrou esta matéria para a ANF, com um dos dispositivos legais que regulamentava o estado de sítio do regime militar à época: “a política de tortura, assassinato e desaparecimento de pessoas foi uma política de Estado do regime militar. Existia um decreto Lei, 898/69, onde qualquer encarregado da polícia, um inspetor ou mero policial, ela poderia prender qualquer pessoa na rua sem que esta estivesse cometendo crime e sem que ele tivesse mandato judicial”.

”A lei estabelecia que a autoridade policial poderia deixar esta pessoa incomunicável por 30 dias, podendo renovar por mais 30 apenas solicitando o delegado. Durante estes 30 ou 60 dias então a família ficava sem saber o paradeiro do parente. Inclusive discricionava que se nestes primeiros 30 a pessoa sobrevivesse às atrocidades das torturas, ele não morreria mais. A minha tia tinha 21 anos de idade, foi barbaramente torturada, ela saiu do Brasil de cadeira de rodas, um dos militantes que foram trocados pelo embaixador alemão”.

Para André Barros, hoje o mais grave é que “nós temos um presidente da República que faz uma pose de ditador. Mas ele ganhou uma eleição, jurou a própria Constituição e reconhece a ditadura que tinha como política de Estado a tortura, o assassinato e o desaparecimento de pessoas. Ele alega que estávamos numa “guerra”. Os guerrilheiros até mataram umas pessoas mas o fizeram numa ação, numa troca de tiros com a polícia. O Estado, no caso da ditadura militar, por sua vez matava enquanto política de Estado. Muito parecido com as favelas hoje em dia. No Brasil, os negros e os índios vivem em Estado de Exceção até hoje”.

O ato do presidente da República de promover a comemoração do Golpe de 1964, foi no dia 25 de março e incluiu uma “Ordem do Dia Alusiva ao 31 de março de 1964” publicada no site do Ministério da Defesa que seria lida na data referenciada. O texto apresentado em sua íntegra guarda os mesmos paradoxos que o presidente atual revive: a autocontradição de que em 1964 “o brasileiro teve que defender a democracia com seus irmãos fardados” contra a “ameaça à liberdade” que “tanto o comunismo como o nazifascismo”, “faces da mesma moeda”, constroem.; é a mesma autocontradição de um atual presidente que por toda sua carreira política serviu de prestar as honrarias à ditadura militar, à tortura, à misoginia e ao racismo, atualmente servir-se do sistema democrático representativo para assumir a presidência após eleições formalmente executadas e ainda nela insistir em servir-se de porta-voz do Estado de Exceção, no pleno exercício da presidência da República, “democraticamente” eleito.

Em deferência ao mínimo de conveniência ao Estado Brasileiro e à Constituição Federal, no dia seguinte à publicação da Ordem do dia, a Defensoria Pública da União, em nome da memória e da verdade ajuizou uma ação civil pública (ACP) na Justiça do Distrito Federal contra a comemoração do golpe militar. “O Golpe de Estado de 1964, sem nenhuma possiblidade de dúvida ou revisionismo histórico, foi um rompimento violento e antidemocrático da ordem constitucional”. Seguindo-se a ordem sucessória democrática, de acordo com a Constituição de 1946, previa-se eleições presidenciais em 1965.

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, vinculado ao Ministério Púbico Federal, emitiu uma nota alertando contra o desrespeito ao Estado democrático de Direito que a ação do presidente provoca e que está sujeito a punições previstas. Na quarta-feira 27 de março, o Ministério Público Federal, coordenado com outras procuradorias de outros 18 Estados da federação, recomendou aos comandos militares a se absterem de qualquer manifestação pública em homenagem à ditadura.

Finalmente, e dando luz à sobriedade, na sexta-feira 29 de março, a Juíza Ivana Silva da Luz, da 6ª Vara da Justiça Federal em Brasília proibiu a comemoração do Golpe de 1964 pelas Forças Armadas.

Voltando ao ato da Cinelândia, “Ditadura Nunca Mais!”, a tarde corria calma e solidária em meio àquela multidão amistosa de manifestantes. E foi com grande honra encontrei logo Hildézia Alves de Medeiros, líder histórica da construção do Sepe, Sindicato dos Professores do Estado do Rio de Janeiro, hoje aposentada, lembrou o processo de redemocratização no contexto das lutas do Rio de Janeiro em fins da década de 1970. Ela liderou a maior greve da história do Sepe, em 1979, sendo a primeira mulher a fazer isso. No mesmo ano da emergência das greves do ABC paulista nos anos finais de 1970, a mobilização os profissionais da educação estadual tiveram protagonismo nas organizações de base para demolir o regime de Exceção militar.

“Sem dúvida foi um momento privilegiado, sobretudo no ano de 1979, tivemos eclosões de greves importantes, junto com os metalúrgicos no ABC, aqui no Rio com os bancários e com o pessoal da saúde”. “A organização dos professores foi extremamente importante porque enfrentamos a ditadura na sua fase final, contribuindo para a redemocratização do Brasil. Através de nós professores, sobretudo os da rede pública, conseguimos colocar claramente a necessidade das eleições diretas e da anistia para a sociedade. Claro que tivemos enfrentamentos com o regime, eu particularmente fui enquadrada na Lei de Segurança Nacional, e tivemos a nossa instituição fechada, o Sepe, naquele momento. Mas foi o primeiro momento histórico em que os professores da rede pública foram vitoriosos em plena ditadura militar em muito no sentido de avançar sobre o regime”.

Um dos primeiros a subir no carro de som, Paulinho da CTB, cria da Rocinha, lembrou o seu tempo de movimento comunitário nos anos de chumbo: “Camaracas, eu nasci e fu criado na Rocinha. Eu e muitos dirigentes que na década de 70 ousamos reerguer o movimento comunitário, fomos duramente reprimidos. Muitos de nós que morreram e que foram perseguidos, a História não conta, porque nós éramos anônimos e muitos anônimos também não estávamos na História. Mas nós nunca desistimos de nosso sonho de ver a democracia de novo no nosso país. De ver a liberdade de novo para a gente poder ousar um futuro melhor. Hoje nós temos um governo que quer dizer novamente que é possível voltar ao passado. Que quer reprimir o nosso povo. Governo que se ajoelha diante dos Estados Unidos para entregar as nossas riquezas. Mas mais uma vez nós estamos nas ruas. Fora Bolsonaro! Ditadura, nunca mais!”.

Enquanto isso, numa roda com colegas docentes universitários, Daniele, pedagoga e servidora da UFRJ, de 44 anos, diz que “lamenta profundamente o nosso presidente que a gente tem em 2019, não só a homenagens que ele presta a ditadores, como o general Ustra, com à toda a lógica (ou a falta) de pensamento que ele se prende. Misógino, homofóbico e racista que ele vem alimentando e um discurso que vem empoderando as pessoas que se mantém nesta lógica”.

”Os direitos a gente conquista com muita luta, muitas pessoas morrem pra que a gente tenha direitos. Isso é uma indicação que a gente tem que ter pela responsabilização pelo outro. Estamos deixando de pensar na produção de conhecimento, estamos deixando de pensar na História como fato. A gente tá deixando de defender a educação pública com o argumento de que ela é ideologizante. Paulo Freire coloca uma coisa que eu acho fundamental a gente tenta assumir: todo mundo é orientado por trabalho ideológico. A pergunta é a base ideológica que nos orienta: inclui ou exclui ? Eu estendo um pouquinho a rejeição: inclui ou exclui, quem inclui, quem exclui, quando e por quê ?”

No carro de som, representando a União Nacional dos Estudantes, a Tábata  falou que “eles [governo Bolsonaro] não têm projeto nenhum”. Argumentou que sob “slogan de campanha de governo de que ‘vençamos as ideologias’, o governo que persuade de forma ideológica”, nos fazendo retroceder, protesta a jovem.

Tatiana Sampaio de 52 anos de idade, diretora da Associação dos Docentes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, qualificou como inumanas as declarações do Presidente da República Jair bolsonaro de defender a tortura. Questionada  sobre o impacto na educação superior que o ministro Velez traz, ela respondeu ” os impactos são os mais nocivos possíveis mas o que mais eu acho grave são as políticas que que podem afetar a universidade enquanto veículo de mobilidade social, alteração do quadro social de desigualdade. A  direita quer barrar a pouca mobilidade social que foi alcançada recentemente e que  está sendo atacada desde o golpe de 2016. ”

Aposentado pelo IBGE: “ Desde muito antes existe um ataque ao Estado Brasileiro. Neste momento a gente está vendo a coroação de um projeto de ultra-direita de Estado-mínimo. E o IBGE tá neste risco de não ter senso que nem a 2ª Guerra Mundial que fez a gente deixar de ter senso. E a nossa política contaminada por uma visão entreguista, de apequenamento do Estado, ultra-direita. Militante com quase 50 anos, eu não pensei que estaria na rua novamente chorar a morte da Marielle, enfrentar esses fascistas que assumiram o poder”.

Márcia Guedes, educadora, como boa parte dos manifestantes, apresentou relevante projeto no Vidigal. “Eu sou professora de Educação Física, tenho mestrado em Educação, e agora estou fazendo Doutorado em Educação com Cinema com o Cenead na favela do Vidigal, pela UFRJ. A gente tá recuperando a memória de luta e resistência da favela do Vidigal nos anos 1970, dos anos de chumbo”.

”O Vidigal foi a primeira comunidade que conseguiu impedir o processo de remoção. Com vários atores em 1977. E ganharam a propriedade da terra deles. Vários os uniram nessa luta. Àquela época ainda se aplicavam políticas de remoções de favelas. Eles obtiveram a garantia de ficar, logo em 1978. Houveram várias tentativas de remoção. A de 1977 foi a mais evidente, os grupos se uniram com a Pastoral de Favelas, o escritório do Sobral Pinto, com seu advogado Bento Rubião; o advogado Hélio Luz, o cantor e compositor Sérgio Ricardo e a Associação de Moradores que conseguiu inclusive a remoção. Eles seriam removidos para o subúrbio de Antares”.

No carro de som, Jandira Feghali chamou a atenção pela comoção que toma seu rosto. Entre lacrimejantes olhos desabafou: “é emocionante e encontrei pessoas com lágrimas nos olhos dizendo a mesma coisa que estou dizendo agora. É muito duro ouvir a obscenidade do que foi feito por este presidente eleito de chamar uma ‘celebração’ ou uma ‘comemoração’ ou dizer que o Exército não merece nem aplausos nem vaias porque fizeram o ‘seu papel’. Normalizaram o que os agentes do Estado fizeram contra os lutadores do povo brasileiro. Tortura, execução, arrastar em praça pública, estupro com ratos, torturar filhos em frente das mães, desaparecimentos até agora que as famílias procuram. Meu partido perdeu quase 70 militantes na guerrilha do Araguaia. Mulheres e homens, jovens e estudantes. Pessoas de várias forças políticas que até agora não sabemos onde estão”.

Benedita da Silva, também deu sua contribuição: “Nós estamos vivendo um Estado de Exceção do qual o Governo do qual aí está e eleito pelo voto tem cometido as maiores atrocidades. E abusa e debocha e ri do povo brasileiro. E ri e debocha daqueles que sonharam que este país pudesse ser livre. É uma vergonha comemorar a atrocidade, o estupro, o assassinato de tantas mulheres. É por isso que eu com a Pastoral e possamos sair de lá e façamos um revolução grande brasileira e fazer que o povo brasileiro seja um povo de multiconsciência, e não podemos permitir jamais o Bolsonaro na presidência.

Benedita lembra o que foi a ditadura para as comunidades do Rio de Janeiro, “porque na favela, durante a ditadura, foi toque de recolher, foram lideranças nossas que desapareceram, lideranças que não eram grandes nomes, mas estavam no dia-a-dia da comunidade, que tiveram as suas casas derrubadas. Tem uma coisa que a gente precisa contar: o que aconteceu com as Favelas em 1964 ? Mulheres morreram, e houveram muitas abordagens policiais abusivas aos moradores. Era toque de recolher silêncio total”

“Eu me lembro como se fosse hoje, eu tinha acabado de sair do posto médico que nós conseguimos colocar na comunidade, quando eu saí, aí chegou um diretor do comitê da Favela dizendo ‘pronto, ditadura’. Eu perguntei ‘que ditadura ?’. Ele respondeu “o presidente foi deposto. Silêncio total, por favor’. Passamos a noite inteira enterrando livros com companheiros e companheiras do Partido Comunista do Brasil. Foi desta forma que recebíamos a notícia do golpe de 1964 e ficamos todos apavorados. Nas igrejas a gente tava com um culto pela manhã, mas à noite este companheiro já tinha desaparecido, já tinha sido morto pelos militares”

Sandra, pela Frente dos Evangélicos pelo Estado de Direito, subiu no carro de som sendo amplamente aplaudida. “Em 2016 a Frente se reuniu com 100 pessoas, 200 em São Paulo e hoje somos 300 mil pra denunciar: a bancada evangélica é podre. Não nos representa. Eu digo não à corja que manipula a população pobre. Que enriquece à custa da fé, da boa fé do gueto. Do miserável, do pobre. Saiba que estamos juntos. Ditadura nunca mais!”.

Continuou, sobre o 31 de março: “hoje é um dia de muita tristeza. Mas a gente precisa vivenciar para que a gente não se esqueça e para que a gente alerte o povo e diga o que aconteceu de verdade. Nosso movimento é de denúncia aos evangélicos hegemônicos, estamos em articulação com a FAFERJ, com o Observatório de Favelas e vários outros movimentos sociais das comunidades do Rio de Janeiro”.

Como não poderia deixar de estar presente, Ruth Sales colaborou com seu testemunho. Ela é uma militante histórica das favelas do Rio de Janeiro. Atua no Movimento de Mulheres Negras do Estado do Rio de Janeiro, da FAFERJ, do Movimento Muleke e da Rede de Movimento Contra a Violência nas Comunidades. Para nós, que somos a carne mais barata do mercado, como sempre, nós morremos nesta luta toda contra a ditadura militar.

 

”O Povo Negro pagou um preço alto”. Ruth continua, “Nós estamos sob ameaça de volta à ditadura, um presidente que faz declarações irresponsáveis, quando ele alimenta o mercado de armas e o sistema violento sobre as favelas. Quando ele manda para as nossas favelas o programa de segurança que mata o nosso povo negro e pobre. Retira os direitos de inclusão racial e social. Teremos um ano de muita resistência e luta, juntos nas ruas. Nenhum passo atrás. Nós vamos continuar de frente na luta”.

E finaliza: “para nós a ditadura nunca deixou de existir, ela sempre existiu para nós povo negro das favelas, mas nessa atual gestão federal estamos vendo isso cada dia mais, mas nós vamos resistir: Ditadura Nunca Mais !”

André Áquia, 62 anos, é advogado aposentado e amistosamente aceitou oferecer um depoimento. Lembrou que em 1964 estava no colégio primário e na universidade era absurdo estudar direito constitucional e civil em plena ditadura militar, ”quando tive aula de Modesto da Silveira, um dos maiores advogados de presos políticos. Toda vez que nos manifestávamos vinha repressão, com a cavalaria, a gente jogava bola de gude para derrubar a cavalaria de policiais”.

Mas não só de memórias vivas se apresentaram na Cinelândia. Jovens e militantes representando movimentos sociais independentes, apartidários, desde o início do evento, faziam fila para subir no carro de som e garantir voz, fugindo do protocolo predeterminado pelas centrais sindicais e partidos organizadores do evento.

Finalmente, Cristóvão Montenegro dos Santos, 41 anos, professor municipal “concursado com duas matrículas em Artes Cênicas” como ele faz questão de declarar, conseguiu o intento logo no final do ato. Rompendo a ritualística e de modo mais informal, Cristóvão conquistou de modo amistoso e educado os manifestantes que sentavam na escadaria da Câmara Municipal.

Ele defendeu a mobilização dos trabalhadores e a organização de classe. E atacou, no final, “Se falarmos de Educação temos que ter embasamento, que vem de teses acadêmicas”. Ele se referia ao ministro da Educação que se auto intitula discípulo de Olavo de Carvalho: “o guru do ministro da Educação e do presidente é uma pessoa com manias de grandeza, de perseguição, racista e LGBTfobico. Se esse guru continuar dando pitaco na política do Bolsonaro retrocederemos mil anos, à Idade Média”.

O jovem que pode ser chamado apenas de Squat representa o movimento “Campanha Contra as Idéias de Ódio”. “Eu acho que o ano de 2019 é um signo de resistência sob a ascendência do fascismo que cresce a cada dia mais. Eu penso que hoje poderia ter sido marcado pela luta se fosse durante a semana. Domingo não é dia de descanso. Dia de manifestação é quando o trabalhador tá na rua. E se atrapalhar é pra atrapalhar mesmo quem quer matar a gente. Hoje existe a família integralista querendo acabar com agente”. Squat defende “os conselhos operários, que seriam organizações locais tanto de trabalho como de moradia onde o trabalhador, para botar em prática a democracia direta”.

Não faltaram figuras importantes e históricas para o movimento de comunidades do Rio de Janeiro. Rosalia Lemos, professora de Direitos Humanos do IFRJ, campus Nilópolis, na baixada fluminense. Ela trabalha na Rede Mulheres Negras do Rio de Janeiro, “a gente abarca muitos movimentos sociais, entre eles o trabalho da Mônica Cunha, do Movimento MULEKE, que atua na perspectiva da coibição da violência contra as mulheres, especificamente as que perderam seus filhos em virtude da violência policial”.

Indagada sobre o contexto de um 31 de março no contexto de um presidente que promove discursos de ódio e a comemoração da ditadura civil, empresarial e militar de 1964, sugeriu “o que eu percebo hoje na sociedade brasileira é que a gente tem que fazer uma cultura da não-violência, do resgate da constituição dos direitos. Seria uma forma multifocal e o nosso trabalho na favela e, como nem toda mulher negra está na favela, também na academia, nas escolas públicas e na rua para a formação de cidadãos e cidadãs que promova o direito de ser livre e feliz, porque a felicidade é o fundamental”.

Para as missões para os direitos humanos do ano 2019, ela rememorou aos anos de chumbo. “Estamos com desafios sérios, mas não foram diferentes da época que eu tinha 22 anos quando entrei na Universidade Federal Fluminense, em 1982. Eu tinha um professor que era ‘milico’ e eu fiz um trabalho que foi sobre o racismo e a ação da polícia nas favelas. Então não será diferente o movimento de antes e o de hoje. A gente viu a ditadura atuando nas favelas, eu era do povo de Andaraí, eu era favelada. Assistíamos a ação da polícia de modo muito mais truculenta encima dos nossos jovens e encima da população negra de modo geral.”.

Rosalia critica o recorte de classe e raça sobre os desaparecidos e torturados pela ditadura, focando nos militantes jovens majoritariamente brancos de classe da época, como se pode ver nas fotos dos desaparecidos das organizações que abordam o tema da memória e verdade na ditadura militar brasileira. Esquece-se do genocídio sobre o povo preto das favelas e dos subúrbios do Rio de Janeiro.

“O favelado foi massacrado na sua maioria, com muita mortandade. Tanto é que a gente em 1981 cria a Associação de Moradores de Andaraí em função de um assassinato de um negro na favela pelo regime militar. lá na favela né. Então na luta nossa várias Marielles tombaram. E a luta continua. Estou com 58 e estou aqui na luta, quando eu tinha 21 também estava. Existe uma coisa bacana do nosso povo que é lutar sempre. O que a gente lutou durante a escravidão contra a humilhação do tronco, o assassinato nas senzalas. A gente conseguiu de forma brilhante fazer os quilombos. E vamos resistir sempre”.

Por volta das 19hs, quando já anoitecia os organizadores anunciaram o fim do ato. Virgínia, da Executiva Nacional de Central Única dos Trabalhadores, CUT, avaliou positivamente: “foi um ato expressivo, de luta e luto contra a Ditadura Militar, que teve a participação de diversos movimentos, além da Frente Brasil Popular e o Povo Sem Medo. Infelizmente, o Governo Bolsonaro fez questão de colocar na ordem do dia, para comemoração do golpe civil militar de 1964, não se comemora a tortura, execução, ditadura, não se comemora a dor inominável e sequelas que vários brasileiros sentiram e carregaram pelos seus que se foram. No entendimento do Movimento Sindical, foi um antentado aos direitos humanos e um crime feito o ato do Presidente fascista. Devemos lutar e comemorar a vida, liberdade e Democracia sempre. Ditadura Nunca Mais”.

As pessoas foram de dispersando e ocupando as mesas dos restaurantes da Cinelândia e a memória ascendida na mente de todos, nada desbotada na memória, mas latentes em dias como este que ritualmente atualizam nossa história para que encaremos de frente a nossa realidade com mais consistência, embebidos do peso e da herança que a História nos ensina e a memória daqueles que “sangraram pelos nossos pés”. E sobre os paralelepípedos da velha cidade do Rio de Janeiro nos levantaremos contra toda força de subtração de direitos.

Ditadura Nunca Mais !