O abandono dos estudos no Ensino Médio por parte dos jovens moradores de favelas e bairros pobres nas grandes cidades do Brasil é um grave problema educacional nestas localidades, onde a taxa de abandono pode chegar até a 70%, dependendo da localidade. Além da falta de infraestrutura e do modelo de educação obsoleto do chamado “cuspe e giz”, que desmotiva os jovens, a necessidade de colocar dinheiro para sua própria sobrevivência nessas áreas esquecidas pelos governos e na maior parte das vezes, dominadas pelo poder paralelo do tráfico ou da milícia, estão entre as causas do desinteresse desses jovens. Mas quando o assunto é tecnologia, a juventude, seja ela rica ou pobre, parece comungar do mesmo fascínio. E porque não usar a tecnologia para atrair os jovens em disciplinas consideradas difíceis e chatas, como a Matemática e a Física através de vídeo aulas gratuitas na internet, somadas a testes para avaliar o nível de conhecimento de cada um, para os estudantes possam recuperar suas dificuldades e aprender de verdade? Este é o objetivo do portal “Professor Global”, um projeto de massificação de conteúdos do Ensino Médio, Ciclo Básico Universitário e Pós-graduação em Física e Matemática, criado pelos físicos Renato Melchiades Doria e José Abdallah Helaÿel Neto.
De acordo com Helaÿel, a sorte dos estudantes pode ser outra, e as dificuldades, minimizadas: “A realidade pode ser outra se esses alunos puderem ter, gratuitamente, e ao seu dispor, na hora que bem entender, um portal na internet com mais de 20 mil páginas de exercícios de conteúdo inteiramente gratuito, videoaulas, em uma linguagem clara, objetiva e desenvolvida por professores especialistas no assunto”, garante. “É isso que o Portal que criamos propõe”, complementa.
Para os pesquisadores, o futuro do País dependerá da oferta de uma educação de qualidade para a população e em sintonia com os avanços no campo tecnológico. Eles listam algumas das medidas que consideram necessárias para promover essas mudanças: a massificação do conteúdo através do uso da tecnologia, uma reformulação na forma como os docentes ensinam aos estudantes e o estreitamento cada vez maior da relação dos professores com as companhias de criação de conteúdo em Tecnologia da Informação (TI). “Foi pensando nisso que nós disponibilizamos, no Professor Global, um site de conteúdo interativo e extremamente objetivo, com vídeo-aulas explicativas e milhares de exercícios de diferentes níveis de dificuldade, além de provas de nivelamento para o estudante se orientar sobre seus conhecimentos”, complementa Dória.
União de professores com empresas de software poderá representar salto qualitativo na Educação
Helaÿel destaca que o desafio, não só do Brasil como do mundo inteiro no século XXI é criar uma educação interativa, tecnológica, de massa e ao mesmo tempo personalizada. De acordo com o pesquisador, o Professor Global vai ao encontro desses novos horizontes no ensino e complementa o conteúdo dado pelo professor em sala de aula, podendo ajudar o docente. “O programa jamais substituirá a presença do professor ou ‘roubará’ seu emprego. A ideia é que cada centro de ensino tenha seu Professor Global e desenvolva conteúdos próprios. Nosso grupo de pesquisa já disponibiliza, para quem quiser, conteúdos em Física e Matemática. Mas cada colégio pode replicar nossa ideia e desenvolvê-la em sua intranet ou em sua página eletrônica”, informa o pesquisador. Ele mostra entusiasmo ao imaginar que, colégios que reúnem um grande número de alunos, como o Pedro II, caso viessem a utilizar o material disponível no portal, poderiam, em pouco tempo, reformular e “revolucionar” o ensino hoje oferecido a seus estudantes. “Cada vez mais, os professores se tornarão, não apenas difusores de conteúdo em sala de aula, mas também produtores de conteúdo de acesso livre e massificado, ao se aproximarem das companhias de software. Quem não fizer isso vai ficar para trás”, avisa.
Ainda sobre o futuro da educação, os pesquisadores enfatizam a necessidade de reformulação dos currículos de Ensino Médio e Superior no País. Para eles, nos últimos 50 anos, o ensino se manteve centrado, ainda, no “invento de Gutenberg”, que remonta a meados do milênio passado, com a criação da tipografia plana, com letras móveis, e, consequentemente, os livros. “É comum que publicações adotadas pelas escolas e instituições de ensino e pesquisa [IES] estejam defasadas, desatualizadas ou mesmo dissociadas da realidade dos estudantes, contribuindo para o desinteresse dos alunos e, possivelmente, para explicar a alta evasão escolar no Ensino Médio de jovens de classes menos abastadas”, comentam. “Nesse sentido, a TI, com o recurso da Tela Interativa, que possibilita ao aluno interagir com o conteúdo disponibilizado sem a necessidade do professor, abre uma nova perspectiva de aprendizado”, salientam.
Outro aspecto que Doria e Helaÿel Neto apontam como relevante é a educação personalizada. “O ensino, tal como conhecemos nas escolas e IES, é oferecido numa progressão aritmética, onde os conhecimentos são cumulativos e feitos de maneira crescente e linear. Isso significa que um estudante de nível médio dificilmente irá se interessar por um conteúdo de nível superior e aprendê-lo por conta própria”, explica Helaÿel Neto. “No nosso portal, ele pode aprender e se aprofundar no assunto que quiser e na ordem e ritmo desejados. Cada pessoa tem suas peculiaridades e individualidades, com seus gostos, facilidades e dificuldades distintas”, diz Dória. “E ele pode voltar a fases anteriores para melhorar seus conhecimentos sobre uma determinada matéria ou assunto. Por exemplo, como um aluno que está aprendendo Cálculo I na universidade deve reagir ao descobrir deficiências básicas em aritmética de Ensino Médio? Procurar livros antigos sem referências? Com o Professor Global, ele volta a conteúdos de anos anteriores, assiste videoaulas e faz os exercícios até ter reaprendido o conteúdo que havia ficado esquecido”, exemplificam os pesquisadores.
Uma corrente de ideias para motivar o jovem a estudar
Doutorando em Física no CBPF e um dos pesquisadores do grupo coordenado por Helaÿel, Luís Rodolfo dos Santos destaca a importância da personalização e da objetividade do conteúdo do programa, disponibilizado na página eletrônica. “Graças à forma clara e objetiva como os conteúdos são ensinados, o portal permite que eu, por exemplo, aprenda a pesquisar uma disciplina do mestrado, o eletromagnetismo de partículas neutras, que só será comentada, mundo afora, provavelmente em 2018”, diz. Para Rodolfo, o programa oferece a oportunidade de ter acesso a temas de sem precisar ser um profissional especializado, bastando ter interesse e conhecimento suficiente para absorver os conteúdos, apresentados de forma bem clara e didática para o estudante. “Para um físico trabalhar com pesquisas nas chamadas ‘áreas de fronteira’ é necessário um tempo grande de leitura individual. Já com os livros interativos do Professor Global, ele, além de aprender com mais facilidade, ainda consegue reduzir esses prazos”, ensina o doutorando.
“Essa é a grande diferença que propomos: criar uma corrente de ideias que motive o aluno a estudar e absorver o conteúdo. Infelizmente, o que aprendemos ainda hoje é uma massa de conhecimentos que, em geral, não são absorvidos; são, no máximo, decorados”, defende Doria. “Nosso trabalho extrai apenas as informações necessárias para que o estudante aprenda o suficiente para dominar o conteúdo e expandir seu conhecimento para trabalhar em pesquisas em áreas avançadas, como nanotecnologia e supercondutividade, em apenas três meses depois de formado em Física”, aponta Helaÿel.
O pesquisador do CBPF acrescenta que, pelo método tradicional de ensino, o físico só consegue estar apto a desenvolver pesquisas em áreas de fronteira após terminar a pós-graduação, o que leva, no mínimo, dois anos, ou oito vezes mais que os três meses daqueles que usam o portal. “Lamentavelmente, a educação que recebemos ainda é muito rígida e nos remete ao século passado ou, no máximo, à época em que estamos. E, para pensarmos o futuro, precisamos enxergar adiante e, portanto, estudar temas que estejam na vanguarda do conhecimento”, complementa Doria.
Os pesquisadores reforçam a importância de que professores do século XXI se transformem em criadores de conteúdo, com sua associação às empresas de TI. “Assim como nos anos 1950, que ficaram conhecidos, entre outros, pelo slogan ‘O Petróleo é Nosso’, ousamos, sem nenhuma pretensão, afirmar que precisamos encampar como bandeira do século XXI, dos professores e da sociedade, ‘O Conteúdo é Nosso’”, concluem.
Grupo defende quebra de pré-requisitos e o acesso público a conteúdos
José Abdallah Helaÿel Neto, Renato Melchiades Doria, Luis Rodolfo dos Santos e Célio Marques, doutorando do CBPF e professor do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes-Vitória), estão entre os participantes do Grupo de Pesquisa “Física e Humanidades”, dos cursos de Pós-Graduação do CBPF. O grupo defende duas bandeiras: o fim de pré-requisitos para o aprendizado de certas disciplinas e o acesso público ao conhecimento científico. “Nós nos propomos a compartilhar todas as nossas atividades na internet: aulas, cursos, seminários, atividades de pesquisa e cursos de verão. Dessa forma, tudo o que fazemos em sala de aula é filmado e colocado na rede”, explica Helaÿel Neto. Como atividade de extensão, eles ainda oferecem, aos sábados, cursos de Iniciação Científica abertos a estudantes de todo o Rio de Janeiro, com conteúdos que normalmente só são oferecidos nos programas de pós-graduação na área. “Com essa iniciativa, buscamos quebrar o paradigma da necessidade de pré-requisitos para aprender certas disciplinas”, explica Doria. “Vale destacar que a nossa proposta não é informar estudantes curiosos sobre estes temas e, sim, formá-los nessa área, quebrando o paradigma da obrigatoriedade dos pré-requisitos”, complementa Helaÿel Neto.
Outra atividade de extensão e popularização da ciência feita pelo grupo é um curso de pré-vestibular comunitário gratuito, iniciado há 20 anos, ofertado aos estudantes de escolas públicas nos finais de semana no município de Petrópolis, Região Serrana Fluminense. “Este trabalho é focado no ensino de Física e, busca resgatar a autoestima acadêmica destes estudantes ao desmitificar a dificuldade em aprender esta disciplina”, conclui.