Aristênio Gomes, um dos pesquisadores do estudo: “Coronavírus nas favelas: a desigualdade e o racismo sem máscaras” comenta os resultados

Complexo do Alemão _ foto: Cristiano Juruna

Lançado dia 27, o estudo realizado pelo coletivo Movimentos detalha dados sobre perfil socioeconômico, violência, Covid-19 e acesso à saúde, uso de drogas e impactos da pandemia na saúde mental dos moradores das favelas Cidade de Deus, Complexo do Alemão e Complexo da Maré.

Aristênio Gomes, um dos coordenadores do projeto Movimentos e um dos pesquisadores da pesquisa, fez uma importante análise sobre os resultados obtidos:

“Essa pesquisa tem um valor histórico como documento histórico muito importante, pois ela revela como o racismo e a desigualdade vieram, durante esse período da pandemia, acentuar ainda mais os problemas sociais que já são específicos da favela e seus moradores. A falta de água, que foi recorrente durante esse período pandêmico, onde a higiene das mãos é essencial para prevenção em relação ao covid-19, foi uma rotina para pelo menos 37% dos moradores, e para os 63% que relataram terem sofrido com a falta de água em algum momento. 

É sabido que esta é uma realidade que afeta antes, durante, e certamente continuará afetando depois da pandemia essa população, uma vez que a distribuição desse bem fundamental nao funciona de forma igual para todos. Também houve a continuidade das operações policiais que se realizaram, com 69% das pessoas que relataram terem presenciado ou souberam de alguma operação, revela como o estado lida com a favela através da criminalização e guerra às drogas. 

Os outros setores como de saude pública, educação, aparelhos culturais, ficam sempre a margem, não sendo tratados e investidos, e por isso, essa população é constantemente violentada no dia a dia e em seu cotidiano, com seus corpos sendo controlados e ao final sendo mortos. A necropolítica, que é uma forma de controlar a vida resultando na morte dessas pessoas, principalmente da população negra, é uma realidade para as favelas do Rio de Janeiro. 

O que aconteceu durante a pandemia, sobretudo com as operações que continuaram acontecendo mesmo desobedecendo à liminar do STF, que as limitava, apenas em hipóteses absolutas, e o que aconteceu no Jacarezinho é um diagnóstico dessa realidade, como um verdadeiro massacre. E o fato não aconteceu apenas no Jacarezinho, mas também em outras favelas e operações que impediam os moradores e moradoras de irem ao mercado, ao trabalho, de fazer exames, ir à clínica das famílias, serem impedidas de viver, na medida em que está acontecendo uma guerra em suas ruas, um tiroteio que pode tirar suas vidas a qualquer momento. 

Isso tudo, junto a outros fatores, como por exemplo, 37% das pessoas que tentaram acessar algum aparelho público não conseguiram, e esse é um dado muito trágico, pois são pessoas que já possuem menos renda, que tem menos recursos para gritar e sobreviver, onde falta alimentos em suas casas, e ainda assim, quando possuem algum problema de saúde, que precisam acessar o sistema publico, não há vaga, não há atendimento ou funcionários suficientes. Muitas vezes as clínicas estão fechadas, devido ao sucateamento e falta de investimento público por parte dos nossos governantes, que nao utilizam os nossos impostos, já que somos nós que pagamos essa riqueza, e tem esse dinheiro muito mal administrado por parte deles, que desviam o dinheiro publico inclusive na compra de vacinas durante a pandemia, e esse é o grande crime ao qual não estão sendo cobrados.

Enquanto isso a favela perece e vive sobre a fome, resultando em um estado de calamidade. 

Outro fato muito interessante foi o que se revelou em relação à saúde mental nas favelas. Em um contexto de violência institucional, não somente policial, este gera grandes transtornos e problemas, o que afetou de forma muito direta a saúde mental dessa população, que já sofria antes também, mas foi acentuada; uma vez que os índices de depressão, ansiedade e crise do pânico foram dados respondentes pela maioria. Esse fato está atrelado também ao desejo de automedicação, visto que se tem menos atendimento e assistência, o que suscita em um uso feito por conta própria, ou a busca de substâncias para o uso pessoal. 

Não se pode falar de saúde mental sem falar de racismo e da violência sofrida por parte desses moradores, muito por conta do pivô que é o estado e suas instituições, que ao invés de fornecer auxílio e amenizar os impactos da pandemia, ofereceu opressão e violência em um momento tão delicado e dramático na vida dessas pessoas. Agora em 2021 essa situação continua acontecendo e se agravando ainda mais, e se não houver participação popular dessas pessoas na construção de políticas públicas, se os governantes não escutarem essa população e atenderem suas demandas, continuaremos vivendo sob um estado que apenas comete crimes diários sobre as favelas, seja na falta de água, alimento, de suas necessidades básicas, até a violência física. 

Importante finalizar ressaltando que essa pesquisa foi realizada e executada por pesquisadores favelados, o que traz uma profundidade sobre o entendimento de certas causas, que só são possíveis para quem está dentro. A sensibilidade e a experiência vivida se coloca dentro do processo da pesquisa, e importância de se ter pessoas faveladas, pretas e dos próprios territórios na produção desses dados, é algo muito importante pois revela uma transformação que precisa acontecer em ainda mais lugares e para mais pessoas”. 

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