Arthur Lira assumiu a presidência da Câmara dos Deputados e está agora na linha sucessória presidencial. Se Bolsonaro e Mourão viajarem a Mianmar, ele assume a presidência da república. Gostou? As mudanças são processadas rapidamente e afetam todos, embora a imensa maioria de nós pense que não se faz nada na Câmara, a começar pelos representantes eleitos a cada quadriênio. Fosse assim, menos mal; o problema é que eles agem à socapa e à sorrelfa, como dizia meu avô, sempre em interesse próprio e contra a gente, no caso de governos direitões como o atual.
Querem ver? Quando Dilma foi reeleita em 2014 e Eduardo Cunha assumiu a presidência da Câmara no mesmo esquema do centrão de agora, nenhuma proposta dela passava, tudo empacava no bloqueio e boicote comandado por Cunha, com os poderes constitucionais do presidente da Câmara dos Deputados. Lembram dos pedidos de impeachment contra Dilma? Estavam todos nas mãos dele, que esperou até a hora certa de aceitar um e dar início à derrocada petista. A hora chegou em 14 de outubro de 2015, quando Psol e Rede entraram contra ele pelo recebimento de US$ 5 milhões de propina, segundo denúncia da Lava Jato, e Cunha precisou dos votos do PT no Conselho de Ética para estancar o processo. Fiel aos seus princípios, Dilma negou. Ele escapou da cassação e ainda comandou o impeachment.
Bolsonaro comprou os votos da eleição dos presidentes da Câmara e do Senado por R$ 3 bilhões e acredita que passará as propostas de emenda constitucional que lhe dão poderes quase imperiais. A direita vibra e bate palmas antevendo o estrago que fará no que ainda resta do país. Tomem como exemplo a declaração do deputado Sérgio Souza, presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária feita ainda na euforia da vitória de Arthur Lira, seu companheiro no grupo de 257 parlamentares da bancada do boi: “Haverá convergência entre as pautas da FPA, do Congresso e do Governo Federal. Avançaremos em favor do setor que mais gera emprego e renda e é responsável por 50%, de forma direta e indireta, do PIB desse país!”
Esse país a que se refere o deputado, meus caros, tem como medida de desenvolvimento o crescimento da riqueza gerada cada ano, o Produto Interno Bruto – não é o mesmo que o nosso, podem acreditar. O Brasil que desejamos, pelo qual lutamos, é o país da distribuição da riqueza para reduzir uma das mais cruéis desigualdades sociais do mundo. Queremos mais desenvolvimento econômico e social, mais renda para a população, vida com dignidade e confiança na administração do país. Vocês notaram algum desses efeitos do PIB em relações pessoais, familiares, de trabalho, na vizinhança – alguém melhorou de vida com a explosão da produção agrícola?
Mas vamos voltar à Câmara dos Deputados, nosso assunto já há duas semanas e que pretendo abandonar na próxima, se o parlamento não virar o país de cabeça para baixo. Querem ver? Enquanto o líder do governo, Ricardo Barros, atacava a Anvisa, unanimidade nacional junto com a Fiocruz e o Butantan no combate à pandemia, a deputada Bia Kicis, do PSL de Brasília, era indicada pela liderança do seu partido para presidir a Comissão de Constituição e Justiça, a mais importante das 25 comissões permanentes da Casa. É por lá que começarão a tramitar as propostas de Bolsonaro de federalização das polícias, liberação do porte de armas, mineração em terras indígenas, concessões florestais, regularização fundiária, excludente de ilicitude, ensino doméstico “y otras cositas más”.
Parlamentar que preside a Comissão de Constituição e Justiça habitualmente é político com jogo de cintura e traquejo, consulta o judiciário com frequência para definir admissibilidade e constitucionalidade de cada proposta analisada; ou seja, é preciso atender os dois requisitos básicos: ser admitida e não contrariar a constituição. Bia Kicis tem outro perfil: defende o poder militar para o país, considera o Supremo Tribunal Federal um estorvo, uma inutilidade, é negacionista na pandemia e, mais grave, espalha de todas as formas possíveis fake news sobre esses e outros assuntos. Cabeças menos obtusas do poder em Brasília apostam que a indicação de Bia Kicis não resistirá ao bombardeio desencadeado há dias por ministros do Supremo e parlamentares do próprio PSL, cientes e ciosos da alta responsabilidade exigida pelo cargo.
“É uma grande honra para mim e muita responsabilidade, para a qual meus 24 anos como procuradora, um ano como primeira vice-presidente da CCJ e meu amor pelo Brasil me habilitam, com fé em Deus!”, escreveu a deputada em resposta a uma seguidora, conforme noticiou o UOL. A deputada é investigada no STF no inquérito das fake news, como a deputada Carla Zambelli, do PSL paulista, cotadíssima para chefiar a Secretaria de Comunicação Social, que abrange TV Câmara, Rádio Câmara (A Voz do Brasil), Agência Câmara e outros serviços inerentes à área. Digam se não é a pessoa certa no lugar certo: divulgadora de notícias falsas na central de notícias oficiais da Câmara dos Deputados! Capaz de ela nomear assessora a Sara Giromini, aliás Winter, companheira de inquérito também.
Não devemos omitir, por mérito reconhecido na polícia e no judiciário e também por ser a pessoa certa no lugar certo neste governo caolho, a notícia da nomeação para a Secretaria das Mulheres da Câmara da deputada Flordelis, do PSD fluminense, pastora que encomendou o assassinato do marido, o também pastor Anderson do Carmo, e que vivia (ou vive ainda) uma suruba familiar de espantar Sodoma e Gomorra. Pois graças à liderança partidária Flordelis também pode integrar o time de Arthur Lira. Já desmentiram, mas onde há fumaça há fogo.
Mais surpresas são aguardadas, até com temor, nas inúmeras funções do organograma, muitas deverão ser detectadas pela imprensa com lanterna e lupa, pois não estarão visíveis como os cargos de destaque que a Agência Câmara de Notícias divulgou há dias sobre o que estava acordado com os partidos com direitos a indicações. Não há nomes aqui, apenas as legendas e cargo, mas não está cem por cento certo. O novo presidente, de maus bofes afamados desde as Alagoas, vetou o PT, dono da maior bancada na Câmara (54 em 513 deputados). Dará certo? perguntam-se parlamentares, assessores, jornalistas e vendedores de bugigangas que circulam pelo Congresso. O que vocês acham?