Debora Lerrer*

Durante a década de 80, nos fins dos anos da ditadura, o Rio de Janeiro fervia com suas associações de moradores. Talvez tenha ocorrido aqui neste período o mesmo que ocorrera em Porto Alegre. Muitos militantes de esquerda, sem outra alternativa de militância segura, passaram para as lutas comunitárias. São as associações de moradores o que está na origem do hoje, graças ao Governo Fogaça, moribundo Orçamento Participativo de Porto Alegre. A verdade é que a Prefeitura do PT, recém-eleita em 1988 com a bandeira da "inversão de prioridades", diante da falta de caixa para colocar a promessa em ação, resolveu afixar em um caminhão placas enormes onde expunha, de forma ambulante,o minguado orçamento da prefeitura para as várias comunidades onde, então, aguerridas associações de moradores cobravam as novas prioridades do novo governo.

Depois de morar onze anos em São Paulo, onde não vi rastro nem vestígio de associação de moradores, me surpreendi que essa militância existia no Rio. Aterrisei em um bairro peculiar neste quesito, Santa Teresa, mas isso me fez buscar informações e descobrir que esta cidade compartilhou da mesma efervecência comunitária da década de 80. Não sei como foi que se deram os processos por aqui, mas é fato que eu vejo que esta cidade ainda guarda importantes associações e um tecido social organizado, o que não é pouco. Estas associações não estão só no asfalto, estão também nas favelas onde cumprem um papel fundamental, como os correios comunitários. E deve ser bem difícil manter uma associação nas favelas, obrigada a andar em um espaço delimitado por um Estado ausente e um movimento "armado". Isto certamente torna muito mais complicado manter lutas sociais. Mas é fato que a permanência desses movimentos no Rio indica que há muito mais potencialidades políticas auto-organizativas nessa cidade do que a gente imagina. Vide os "transportes alternativos" geralmente criados onde os serviços oficiais não funcionam…. Que o carioca tem grande talento auto-gestionário, isso sabemos, visto a capacidade com que em várias localidades dessa cidade o pessoal se organiza para fazer uma festa, seja ela, junina, bloco de carnaval… etc.

Mas esse savoir faire vai mais além…senão não existiriam essas associações ainda pulsantes nessa cidade. Ouso até dizer que um governo que quisesse ser realmente transformador deveria começar justamente potencializando essas energias organizativas e não as coibindo ou as comprando com clientelismo e favores de ocasião. Mas, por enquanto, isso é querer demais… Do jeito que assistimos na TV, nas ruas e mesmo nas lutas do meu bairro, tenho chegado à conclusão que o grande problema do Rio são suas supostas "autoridades", geralmente desqualificadas para os cargos que ocupam. Nem tanto por incapacidade técnica, mas geralmente corrompidas por conchavos de todos os tipos, que, geralmente de forma autoritária, jogam na vala comum de negociatas o bem público e lamentavelmente, com muita frequência, desrespeita a vida de seus concidadãos menos afortunados economicamente. Mas acho que o povo, o cidadão carioca, sabe muito bem do que ele precisa. Geralmente não tem acesso a canais para fazer essa vontade prevalecer. Geralmente é humilhado, quando não obrigado a se curvar para obter o que lhe é de direito. Mas a vida e a consciência política pulsam nessa cidade. Muitas vezes está dissimulada. Mas está aí, viva. Um dia, quem sabe, virá à luz.

*Jornalista