Com a chegada do novo coronavírus, veio o isolamento social. Muitas lojas, bares e restaurantes fecharam, o índice de desemprego aumentou e o número de pessoas com doenças mentais cresceu. Transtornos como ansiedade e depressão não fazem distinção social, no entanto, algumas pessoas tem acesso mais fácil ao tratamento, outras encontram dificuldades.
A escassez de atendimento público para cuidados com a saúde mental existe muito antes da pandemia para quem não tem condição de pagar um psicólogo ou psicanalista. Anna Cláudia de Oliveira Neves, 45 anos, moradora da Vila dos Pinheiros, no Complexo da Maré, no Rio, conta que é a prova viva de que falta tratamento especializado para a saúde mental destinado à população de baixa renda. “Sofro de ansiedade depressiva desde 2012 e nunca consegui um tratamento adequado. Na clínica da família sou tratada por um pediatra, que ficou compadecido com o meu problema, pois cheguei ao seu consultório aos prantos pedindo ajuda”, diz.
Anna Cláudia conta que até conseguiu um atendimento especializado gratuito, mas era distante de sua casa. “Consegui uma vaga para ser atendida através do projeto ‘Você Importa’, mas como era em outro bairro, não consegui o dinheiro da passagem para ir até lá. Por que não podemos ter esse serviço em uma clínica da família?”, questiona.
No Complexo do Alemão, o líder comunitário Raull Santiago diz que é rara a presença de profissionais da área de psicologia na favela. “Antigamente, aqui tinha um profissional que atendia gratuitamente. Mas ele era só um pra toda essa gente. Mas isso faz muito tempo. E depois dele, ninguém mais voltou a fazer esse serviço por aqui. As pessoas estão precisando, e não é pouco”, afirma.
O projeto “Você Importa” foi criado em 2019 após realizar vídeos conscientizando sobre o Setembro Amarelo, mês de prevenção do suicídio. As produções viralizaram e hoje o projeto está presente em todas as redes sociais. Corina Haaiga, fundadora do “Você Importa”, encaminha as pessoas que a procuram para instituições gratuitas ou para profissionais que cobram um preço social.
Além do projeto, muitos psicólogos se voluntariam para atender pessoas gratuitamente, como é o caso de Leonardo Sena. “Uma das ações do psicólogo é a manutenção do bem-estar psíquico de um indivíduo, é cuidar desse lado psíquico e levar o indivíduo a uma vida mais saudável”, explica.
Para o psicólogo Jhonatha Souza, a falta de psicólogos nas favelas está relacionada à falta de políticas públicas voltadas para a saúde mental. “Quando se tem psicólogos nas unidades de saúde, eles são poucos para a demanda. Ao mesmo tempo, há pouco incentivo para projetos sociais com essa ‘pegada’ que facilita o acesso à saúde mental”, afirma.
Além da falta de atendimento, muitas pessoas que sofrem com algum tipo de doença da mente sofrem preconceito e são incompreendidas em relação a dor e à angústia que sentem. Anna Cláudia diz que já escutou desde que seu problema era falta de fé até que era falta de um companheiro. “Isso só piora os sintomas, pois me sinto mais deprimida. Precisamos de psicólogos em nossas favelas, pois também temos o direito de cuidar de nossas mentes. Por que esse privilégio é só para os que têm dinheiro? Isso é injusto e cruel”, desabafa.
Matéria originalmente publicada no jornal A Voz da Favela de outubro.