“Um menino de 14 anos foi morto a tiros dentro de casa em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio, durante uma operação contra tráfico de drogas das polícias Civil e Federal na última segunda-feira (18)” disparam os jornais.
Estamos em tempos de pandemia e a quarentena foi decretada como medida de segurança. Resguardo, incerteza, medo e sacrifícios são palavras que resumem bem esse período para algumas esferas da sociedade, mas para João Lucas Matos Pinto presente-, menino preto e periférico, regiam o dia a dia de seus tão rápidos 14 anos.
O menino brincava, foi baleado e levado pelo Estado, essa é a sequência, nada do que lhe disseram na escola, o famoso “nasce, cresce, reproduz e morre”. Não houve notícias até que seu corpo foi encontrado no IML e assim começaram as manchetes “menino morre”, enquanto a realidade dura grita “foi morto”.
São 69 casos de crianças vitimadas por arma de fogo em contexto de violência no Rio de Janeiro desde 2007 — muitos deles ocorridos durante operações policiais, segundo dados levantados pela ONG Rio de Paz com base nos relatos da imprensa. 69 sonhos anulados pelas estatística que insistem em se repetir.
Marcos Vinicius de 14 anos, Ágatha Felix com 8, Jennifer de 11, Kauê Ribeiro com 12, Kauã Rozario com 11, agora João Paulo de 14 e dentre outros nomes cujas inocências foram questionadas, todos negros. “Estava mesmo só brincando?”,“esse caminho que fez voltando da escola era o de sempre?” “rezando não estava”. As balas são disparadas de manhã, o socorro aparece à tarde, as acusações, com sorte, à noite e as desculpas para tais atrocidades ecoam facilmente, 24 horas por dia, até que não se prove o contrário.
A tia de João conta, em uma entrevista para o El País, que o menino era exemplar e aluno modelo. O pai fez um resumo de seu dia a dia “a vida dele era casa, igreja, escola e jogo no celular”, a mãe chora em vídeo e a Polícia Militar afirma por meio de nota que “lamenta a morte de vítimas inocentes ocorridas no Estado como resultado de ações criminosa. É bastante lamento, certo?
A comunidade usa as redes sociais para falar sobre seus medos, “estou assustada porque tenho um irmão da idade do João e uma irmã linda cujo sorriso me lembra muito o da Àgatha, quero que ele volte da escola e que ela continue a sorrir” declara uma internauta e moradora de periferia, no Twitter, em um post sobre o caso.
O G1 divulgou uma conversa entre mãe e filho durante o tiroteio, “Seu tio está aí com vocês? Só está você e Nathan? Esse tiroteio é aí, não é? Já estou nervosa já”, diz Rafaela Matos (mãe), “Estou dentro de casa. Calma” avisa o filho. Me questiono sobre a calma dessa mulher, se ela poderá de alguma maneira voltar a sentir-se segura dentro de casa.
Foram 70 marcas de tiro encontradas nas paredes da casa em que a família morava, “estou dentro de casa, calma”, agora a mensagem não faz mais sentido e o lar que para muitos é sinal de segurança e acalanto, parece não ter muito a oferecer além de lembranças dos momentos que poderiam ser vividos por João Pedro.
Em 28 de agosto de 1963, um dos mais famosos discursos políticos acontecia, “eu tenho um sonho” declarou Martin Luther King, atualmente, seu sonho é conhecido em todo o mundo. Eu me pergunto qual seria o próximo discurso do ativista se soubesse que nas favelas do Brasil, 69 sonhos foram roubados. Assim como Luther não presenciou a tão almejada liberdade mencionada em suas falas, crianças também não puderam formular e muito menos realizar seus desejo inocentes.
A família encontrou o corpo de João Paulo no Instituto Médico Legal (IML) após 17 horas do menino ter sido baleado. Foram dezessete horas sem notícias e agora todos os dias sem entender o porquê. Tinha que ser o meu filho? Tinha que ser uma criança? Em casa? Preto?Periférico?
Nada parece fazer muito sentido e a realidade não abre brechas para que faça, afinal de contas, o direito a sonhar sempre apareceu lapidado na sociedade, para que caiba dentro dos espaços disponíveis a cada indivíduo. Alguns têm seu sonhos moldados em casas atingidas por uma média de 70 tiros, outros simplesmente permanecem vivos para realizar os seus.
Mais um sonho interrompido.