As favelas cariocas têm inspirado medo e fascínio ao longo de sua existência secular. Em tempos de UPPs, parece que o medo que dominou a cena pública na maior parte do tempo em relação às favelas, dá lugar a um fascínio inspirado pela descoberta de lugares tão próximos de todos nós, que até a algum tempo atrás a maioria das pessoas não tinham coragem de entrar numa favela, a não ser aquelas pessoas que tinham alguma relação profissional com estes lugares.
Esses lugares passam a ser as novas fronteiras na cidade que atraem empresas privadas e os agentes de mercado que percebem oportunidades de novos negócios para as empresas que querem expandir a oferta de seus produtos e ou serviços para uma parcela do segmento econômico estrategicamente classificado como Nova Classe Média. Não se importando com os outros aspectos que definem uma classe social, pesquisadores e agentes públicos discursam sobre o potencial consumidor dos moradores das favelas. Vamos ver até quando esta balela vai durar!
A representação estética das favelas pacificadas ganha um significado de nova fronteira para expansão de negócios e como lugares de oportunidades econômicas, baseado numa suposta capacidade de consumo de seus moradores. É preciso ter cautela quanto a este fascínio mercantil, quase que uma ponta de lança da nova investida do poder público e das empresas privadas sobre as favelas em processo de pacificação. Ainda é cedo para tanto entusiasmo, pois, estas favelas carecem de investimentos em infraestrutura, melhorar a acessibilidade, ampliar a oferta de serviços públicos essenciais, melhorar e muito as oportunidades de acesso à educação técnica e profissional, fazer leis que possam estar sintonizadas com a realidade dessas favelas, por exemplo, leis que facilitem a formalização dos imóveis e dos pequenos negócios existentes há décadas nestas favelas. Por que não legalizar o serviço de mototaxis? Manter este serviço na marginalidade é prato cheio para que objetivos escusos continuem se valendo da informalidade.
Acredito que este processo em curso de pacificação das favelas implica numa necessidade de reorganizar as forças sociais, políticas, culturais, econômicas, religiosas, etc.., possibilitando que atores sociais locais possam novamente se manifestar num ambiente de liberdade e de expectativa democrática. Digo isso, em função das mobilizações internas das favelas que buscam refazer suas formas de organização neste novo ambiente, onde as demandas por políticas públicas saltam aos olhos de qualquer pessoa de bom senso que visita uma dessas favelas. Engana-se quem acredita que a abertura da economia das favelas, para o mercado, será o motor de mudança e transformação destes territórios em ilhas de prosperidade. Temos ainda um longo caminho a percorrer até que estas favelas alcancem um nível aceitável de condições básicas de lugar digno para moradia.
O exemplo do que está em curso na Cidade de Deus, onde um grupo de trinta empreendedores locais se organizaram em torno de suas demandas e buscaram no Sebrae o apoio para criar o primeiro Polo Comercial numa favela pacificada. Organização semelhante está ocorrendo no Morro da Providência onde outro grupo de empreendedores se reúne semanalmente para fazer cursos e discutir uma agenda de desenvolvimento para a sua comunidade.
No Complexo do Alemão e na favela da Rocinha grupos de empreendedores também estão se organizando em associações comerciais para discutir um planejamento que os auxilie a continuar com seus negócios neste ambiente agora disputado por empreendedores externos.
A cidade é organizada por um conjunto eficiente de leis e regras, é composta de lugares e culturas, é movida por disputas legitimas por direitos e oportunidades, e é disputada por diversos grupos sociais. Se este processo de pacificação é para valer, então é preciso começar a mudar as formas de olhar e tratar as favelas e os favelados. As reivindicações expostas nos fóruns e câmaras comunitárias devem ser ouvidas com atenção pelos agentes públicos e serem consideradas como legitimas. As favelas como novas fronteiras de expansão na cidade para novos negócios, devem então receber atenção do poder público e considerar como legitimas as ideias, sonhos e projetos dos seus moradores. Desta forma poderemos construir em parceria com os moradores da favela a tão discursada integração: favela-cidade.