Seria impossível falar sobre o uso de smartphone e da internet sem mencionar seus indiscutíveis benefícios e praticidades. O rápido acesso a pesquisas, o contato através dos meios de comunicação, o alcance de notícia, a literatura virtual de baixo ou menor custo, a divulgação de eventos, a exposição de trabalhos, os debates ideológicos, o ativismo político, a disseminação da arte e cultura, e por aí vai.
Apesar das vantagens, é necessário refletir sobre os possíveis efeitos do online em nossa saúde e comportamento. Afinal, não é como se fossem abordados nas diretrizes e nos termos de uso de cada aplicativo.
Para começar, é interessante lembrar que os meios de comunicação foram criados e/ou elaborados para contextos de guerra. No decorrer da Primeira Guerra Mundial, os telefones de campo e as transmissões sem fio foram usados regularmente pela primeira vez para coordenar movimentos militares.
Durante a Segunda Guerra Mundial, o computador foi desenvolvido para auxiliar o exército norte-americano a fazer cálculos de balística (ramo da mecânica que estuda a arma e os projéteis).
Há pesquisadores, como o linguista croata Petar Guberina, que acreditavam que a linguagem é apenas adquirida para compartilhar e trocar afetos. Quando se trata da história da tecnologia, infelizmente, foi o contrário.
A Primeira e Segunda Guerra Mundial acabaram, mas os motins, os manifestos de agressão e invasão, e atos contra a própria saúde ainda são provocados pela proliferação de fake news, cyber bullying, golpes, vazamento de dados, propagandas que estimulam transtornos alimentares e a baixa autoestima, o discurso de ódio e a intolerância política exposta na internet.
Outro recurso da Segunda Guerra Mundial foi a anfetamina – substância que compõe diversas drogas, incluindo a metanfetamina e o ecstasy, também conhecido como MDMA. Curiosidade rápida: o Brasil está entre os três países que mais a consomem no mundo.
O sintético psicoestimulante foi utilizado para potencializar a performance física e aumentar o estado de alerta dos soldados. A anfetamina eleva o nível de dopamina no corpo, assim como as redes sociais são capazes de fazer. Essa nada mais é que um dos principais hormônios ligados ao prazer e a felicidade. Logo, qual seria o malefício?
Efeitos no corpo
O que torna algo viciante é um elemento que dispare dopamina rapidamente. Esse neurotransmissor está conectado ao chamado sistema de recompensa: circuito neuronal no cérebro que influencia diretamente as nossas emoções.
O sistema garante a motivação para realizarmos certas atividades. Por exemplo, quando alguém se alimenta ao sentir fome, conquista a sensação de bem-estar.
Ao ganharmos likes no Instagram, o corpo libera a dopamina. Com o passar do tempo, o cérebro pode se viciar nessa fonte específica. Experienciamos o impulso de postar cada vez mais publicações para alcançarmos mais likes.
Tal dinâmica pode criar um ciclo interminável entre a falsa impressão de recompensa junto ao possível aumento de ansiedade a longo prazo. Além disso, a autoconfiança pode se tornar refém de uma aprovação alheia materializada e quantitativa.
Níveis exacerbados de dopamina estão relacionados a comportamentos compulsivos, podendo incluir o uso excessivo do celular.
Segundo a pesquisa realizada pela instituição de saúde pública do Reino Unido, Royal Society for Public Health, as redes sociais são mais viciantes que álcool e cigarro. Foi levantado que o compartilhamento de fotos pelo Instagram impacta negativamente o sono, a autoimagem, e o medo dos jovens de se desconectarem dos acontecimentos e tendências.
O estudo mostra que nove em dez meninas se sentem infelizes com seus corpos, e pensam em mudar a aparência, cogitando a execução de procedimentos cirúrgicos.
O psicólogo, Jonathan Haidt, aponta como a sofisticação das redes está relacionada ao acréscimo disparado das taxas de ansiedade, depressão, suicídio e internação por autoflagelo entre adolescentes.
Qualquer hábito vale ser questionado: Quantas horas do meu dia são direcionadas a isso? De qual modo estou investindo em mim com esse uso? Eu conduzo esse comportamento de forma autônoma ou abusiva?
Eu o controlo ou sou controlado?
É importante criticar o sistema reconhecendo que fazemos parte dele. O desapego social sobre o uso das redes é uma realidade improvável, mas ter conhecimento sobre as regras do jogo é essencial para jogar bem.
“Existem apenas duas indústrias que chamam seus clientes de usuários: a de drogas e a de software”, lembra Edward Tufte.