Aquelas e aqueles que conseguiram e/ou tiveram interesse em acompanhar as colunas anteriores devem ter percebido que há um esforço por parte da colunista em demonstrar o processo de marginalização da população negra no Brasil. Ele vem desde o nosso sequestro em África e alcança a abolição. Esta última é entendida como a legalização para a perpetuação de nossa condição de não-proprietários, pois tornaram os escravizados livres -no entanto, sem ter para onde ir.
É importante dizer que não lutamos para ser proprietários, mas, sim, pela socialização de toda riqueza por nós produzida. Possuir, ao menos, um pedaço de terra poderia ter nos assegurado condições mínimas para a existência. Então, deveríamos, sim, estar inclusos entre aquelas e aqueles que receberam da Coroa Portuguesa uma fatia de terra – o que seria um reconhecimento à população negra que edificou esse país, uma vez que, enquanto ex-escravizados, não teríamos dinheiro para comprar.
A história realmente não se repete, e aqueles que dizem o contrário precisam entender que isso só ocorre por tragédia ou farsa, parafraseando Karl Marx (1818-1883). No caso da história recente do Brasil, temos assistido uma retomada da onda conservadora, e aqui a abordamos a perspectiva a partir daquele grupo social que defende a manutenção da propriedade privada tal como ela se configura hoje, em que um pequeno grupo detém toda a riqueza produzida pela maior parte da população. Essa defesa se dá de várias formas, desde o cercamento propriamente dito dos bens materiais até mesmo através da propagação de ideias e valores que reforcem a propriedade como algo intocável.
A perversidade disso é que uma grande fatia dessa população (majoritariamente negra) que trabalha para enriquecer uma meia dúzia de pessoas (em sua maioria, branca) tem assumido discursos desses que há anos nos exploram. O ocultamento da origem da pobreza da população negra e pobre no Brasil não nos permite, do ponto de vista geral da população, que consigamos mobilizar essa maioria para pôr abaixo essa ordem injusta da sociedade. Somos induzidos a naturalizá-la, o que nos leva a um imobilismo total. Não precisamos de muitos exemplos. Basta observar o processo de corrupção que se encontra nos três poderes da federação e que tudo parece seguir bem.
O Rio de Janeiro se tornou o maior exemplo da catástrofe desse país. Encontra-se numa crise econômica, política, social e civil. A manifestação desta última tem se mostrado centralmente na falência do modelo de segurança pública, em especial, a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), que vive um processo de guerra contra àqueles e àquelas que deveriam proteger. Assistimos mais uma vez o processo de extermínio da população negra. Reforço: a história não se repete, exceto por farsa ou tragédia. A mim, não resta dúvida de que o que estamos vivendo é uma tragédia, não acidental, mas uma política de segurança pública que visa exterminar a população negra.
Todas e todos sabemos que não existe uma guerra às drogas, existe uma polícia treinada para matar negros pobres nas favelas, pois quem domina o tráfico de drogas não mora e nem está nessas áreas. Ali, no máximo, encontram-se pessoas (em sua maioria, negras) que controlam o varejo de drogas, que, através de formas sofisticadas de distribuição mundial (controladas por pessoas brancas) chegam até aquele espaço. A grande mídia televisiva contribui muito com essa propagação ao ódio aos varejistas de drogas, ao passo que oculta os verdadeiros mandantes. Isso acaba por induzir, inclusive, os próprios moradores e moradoras a odiarem esses garotos. Não se trata de defender ou atacar ninguém, mas de tentar encontrar a raiz do que leva tantos jovens a encontrar no varejo de drogas a alternativa para a sobrevivência.
Será que se esses garotos tivessem condições adequadas de vida, como moradia, água encanada, esgotamento sanitário, educação de qualidade nas escolas públicas, emprego e etc., realmente optariam por arriscarem suas vidas diariamente no varejo? Para conseguir responder com seriedade essas questões, é de suma importância que não se analise superficialmente. Não podemos apenas considerar e acreditar que um ou outro fazem porque que querem, ainda que existam depoimentos deles mesmos que reforcem essa ideia, ok? Não podemos moralizar a questão, porém, entendê-la e problematizá-la, pois só assim é que, de fato, a nossa juventude negra poderá dar passos para outros rumos distante do varejo de drogas ou das vidas ceifadas nesse desigual enfrentamento com a polícia.