Associação Odeart:
Quilombo cultural e memória de uma territorialidade preta no Cabula
O bairro do Cabula foi um dos primeiros quilombos brasileiros, lugar de resgate da existência negra original, com todas suas as suas nuances culturais, simbólicas, econômicas, místicas, políticas, etc. O bairro nasceu como mais um recanto de (re) existência.
O nome Cabula deriva de Kimbula, palavra de origem banto, que significa “Lugar de afastamento dos males” e, denominava um toque que era o chamamento quilombola para enfrentamentos contra as incursões do estado monarca brasileiro que, com suas tropas, invadiam, queimavam, assassinavam física e simbolicamente os povos e tradições negras que haviam fugido do espaço das senzalas, do escravismo.
Os povos Bantu foram os primeiros trazidos no tráfico negreiro. Aqui encontraram os povos originários: os indígenas. Como era de se esperar, não demorou a eclosão das revoltas, com a reapropriação das próprias existências e práticas socioculturais ancestrais; Então nasceu o quilombo! E, como mais um recanto de resistência, o Cabula: lugar que abrigou os primeiros povos africanos que vieram na amarga travessia negra. Não existem dados
exatos o surgimento temporal do quilombo, devido às escassas fontes documentais da época. Por outro lado, os povos africanos utilizavam essencialmente o método da oralidade para transmitir suas ciências, cultura e ensinamentos, o que, em terras “estranhas” também pode ser lido como uma estratégia de ocultamento de suas atividades aos inimigos. Ainda assim. indícios históricos apontam que a formação quilombola remonta a meados do século XVI.
ASSOCIAÇÃO ARTÍSTICO-CULTURAL ODEART:
O quilombismo cultural urbano, surgiu a partir da memória ancestral cabuleira. Para entender a razão de ser da Odeart, é preciso remontar à história da localidade, pois foi a partir dos estudos da professora e pesquisadora Janice Nicolin, e sua pesquisa de mestrado “Ecos que entoam uma mata africano-brasileira”, que nasceu a organização civil, sem fins lucrativos, em meados de 2007.
Antes disso, no começo dos anos 1990, Janice – ao lado de dois educadores, Diego Nicolin e Benivalda Moraes -, montou o Grupo Teatral Arte-bagaço, que atuava em escolas públicas do Cabula, especialmente no Colégio Estadual Roberto Santos, propondo um currículo menos“engessado” e uma pedagogia que abarcasse a perspectiva histórica e comunitária da localidade, as problemáticas da sociedade e seus efeitos nos países periféricos e a possibilidade de uso das expressões artísticas (teatro, dança, percussão) como forma de dialogar com o alunado e a comunidade.
Passados os anos, com a consolidação do grupo, surgiu a necessidade de formalização num CNPJ, pra atuar em outros espaços públicos/provados e ter a possibilidade de angariar fundos por via de políticas públicas e afins. Então, nasceu a Associação Artístico-Cultural Odeart, que mantém a linguagem do Teatro como carro-chefe, mas amplia as atividades para mulheres da comunidade, com cursos de artesanato, Corte e costura, Fotografia, Oficinas de sustentabilidade, etc. Para as crianças e jovens, atualmente, a associação tem cursos de Literatura/Produção Textual, Matemática e Oficinas de Comunicação social, além do próprio Teatro, que deu início à proposta
Além disso, a Odeart também atua com diversas organizações sociais locais, pensando e propondo perspectivas de bem-viver, que potencializem o fazer destas organizações
dentro do território cabuleiro: falamos aí da formação da Rede Cabula Vive!
Por fim, a Associação compõe atividades durante todo o ano, como o Março Mulher, o Julho das Pretas, o Agosto da Igualdade e o Novembro Negro, em parceria com organizações da esfera civil e do poder público.
A Odeart traz em seu nome, a cosmovisão africana iorubana, no mito de Odé; o Orixá caçador, que saia em busca da colheita e da caça para prover sua aldeia com alimentos e fartura. Relacionando ao fazer da Associação, entrevemos que as/os educador@s da Odeart podem ser vistos como estes “caçadores” que saem em busca de conhecimento e retornam à comunidade com a devida provisão do saber para os seus.
* Matéria publicada no jornal A Voz da Favela, edição de Abril de 2019.