Crivaram balas e silenciaram a voz de uma mulher negra, militante, favelada, professora e vereadora do Rio de Janeiro, mas não calaram nossa voz. Não calaram, porque os dez projéteis, que foram objetivados ao rosto, acabaram matando, também, mais um pai de família que estava fazendo bico pra aumentar a sua renda. Não calaram, porque enquanto as práticas irregulares policiais forem investigadas pela própria polícia, ainda veremos o arquivamento de muito processo. Não calaram nossa voz, porque o luto nos move adiante, pra continuar o legado de Marielle Franco, pra que o povo pobre tenha seu devido peso na justiça.
Olhando ao meu redor, estou incrédulo de que possa existir tamanho ódio pra nossa classe. Principalmente porque muitas pessoas, não foram poucas, concordaram com a execução de Marielle, após ter denunciado uma operação policial abusiva na favela em Acari há menos de uma semana. Porém, tenho a certeza de que a boca só vai se calar quando o tiro me acertar. Porque enquanto existir um de nós sendo dizimado pela luta de classes, ainda devo lutar. Mesmo que o preço seja meu fim com tiros no peito “do polícia”, o protesto continua. Pela causa do povo pobre, que mais uma vez entrega ao chão nossas lágrimas.
Sei que há muita coisa por trás, mais suja. Meu senso crítico me diz que o buraco é bem mais embaixo… Não foi só a denúncia que resultou nesse trágico fim, porque um militante é propenso a ser mártir. Onde o deus das armas reina, a revolução no nosso país ainda é impossível, enquanto o próprio povo defender a atitude do opressor. O genocídio do povo pobre tem as favelas como campo de concentração. Ainda somos a continuação do antigo escravo. Ainda somos nós, que deixamos dizeres de saudade nas camisas com foto estampada. Ainda somos nós, que só servimos como mão-de-obra ou voto.
Até quando vamos ver nosso povo morrer? Até quando vamos morrer antes de adoecer? Até quando vamos ter o semblante abatido e morrer junto com alguém que amamos, mesmo que estejamos vivos? Até quando veremos a mídia encobrindo os reais criminosos responsáveis pela dizimação dos nossos?
Eu vejo que a esperança está morrendo, mas vivo consciente de que a militância deve continuar pelos que se foram. Só estamos onde estamos porque outros lutaram e, como disse Martin Luther King, “A liberdade não será concedida pelas mãos do opressor”.
Marielle vive, mesmo que seu sonho tenha sido assassinado.